Esse mês completo 10 anos de morada no Recife...que ao chegar aqui, ainda me referia à cidade no feminino (coisas de quem não é recifense). A cidade, na minha infância, se resumia à praia, shopping, o Horto Dois Irmãos, além do Museu do Estado que tinha visitado com uns 8 anos numa excursão do Salesianas de Gravatá (e nunca imaginaria que seria vizinho dele hoje em dia, tendo trabalhado por lá emtudo).
O estranhamento era absurdo no início, pra quem estava acostumado a um clima frio, a um espírito mais comunitário entre as pessoas e uma família gigantesca que já lhe supria tudo. Tudo era maior no Recife...distâncias absurdas, barulhos e movimentos ininterruptos contrastando com o quase tédio morno que experimentava no interior. O ritmo era outro e estava quase certo que não me adaptaria.
Porém, o espírito já de esquerdo que cultivava quando ainda morava no agreste encontraria uma expansão sem limites na capital, de uma euforia que não me permitia ficar parado em casa à medida que conhecia pessoas que compartilhavam de ideias semelhantes as minhas, do que me fazia sentir um alienígena em Gravatá, quando lia Kafka, escutava Björk e achava Thom Yorke incrível (como encontrar pares nessas condições?).
Mas o interessante é que nunca menosprezei Gravatá. Na verdade, quando vou à cidade hoje em dia é como se todos os limites do município fossem uma outra casa minha, como se ela coubesse na minha mão, onde absolutamente tudo é muito familiar, nostálgico, tão banal que às vezes vira poético.
Já o Recife...o Recife me proporcionou ao longo desses dez anos um emaranhado de sensações. Conheci muita gente louca, fui a muitas festas bizarras, experimentei o mangue beat (na verdade, já a raspa do tacho), as viúvas do mangue, a cena indiezinha local, as vernissages à espumante, as noites loucas no Garagem, os metais do Antigo, as ladeiras vazias de Olinda (onde ia quase toda semana sozinho simplesmente lembrar de coisas),frios na barriga de lugares que tinha medo, as reuniões esporádicas com semi-conhecidos, os artistas, os pseudo-cults, a cachaça de raíz, os cinemas lado b, as lojas de discos, os festivais sujinhos, as igrejas barrocas.
Estudei turismo, quis abandonar, estagiei em postos de atendimento e em funções corporativas demais (o que fazia doer a minha veia socialista, confesso) consegui diploma, fiz amigos ótimos desse período, viajei muito (Sete Cidades, Jeri, Triunfo, Buíque) e conheci professores admiráveis que me fizeram perceber que minha paixão, de fato, é História (onde estudo e trabalho hoje em dia).
Me apaixonei por patrimônio cultural, só que minha frieza de pesquisador hoje em dia nem me faz pulsar tanta paixão assim (ok, eu estou mentindo, eu sei). E vou dizer mesmo, eu realmente adoro a área de História e conheci (estou conhecendo) muita gente legal, colegas e professores (é, eu tinha que dizer isso, porque é muito importante).
E no campo das paixões? Muitas. Lugares pequenos, que me lembram tranquilidade, a minha rua arborizada, os passeios pelo centro, pão de queijo, e, AMIGOS (a parte mais importante que vivencio nesta cidade), gente que, já disse, quero envelhecer junto.
No campo do amor/paixões nem vou comentar muito, apenas dizer: MONTANHA RUSSA - APRENDIZADOS.
Sotaque gravataense nem tenho mais, às vezes até acho que exagero no arrastado recifense, e hoje, depois de tanto tempo e tantas vivências em tantos Diomedes, eu posso dizer que Recife é minha cidade (o lugar que escolhi pra morar, sem planos outros) - a não ser passar um tempinho fora estudando, de repente.
Já estou achando esse texto muito brega, por isso, irei parar por aqui, mas o que acho mais interessante é vasculhar em minhas memórias e perceber quem eu era quando desci do ônibus na Conde da Boa Vista em abril de 2003, para este que escreve em sua cama, numa rede social que nem imaginava que fosse existir.