terça-feira, novembro 14, 2017

cidade e utopia

Tem sido um sonho recorrente, sempre sonho que estou numa cidade que não existe. Ela fica no agreste, às vezes chamam ela de Amaraji, ou Passira ou Agrestina (nomes de cidades que existem), mas a do meu sonho é diferente. Às vezes estou nela sozinho, ou com amigos, ou com familiares. É uma cidade utópica, eu diria. Não há diferenças sociais (como a cidade de William Morris), não há instituições opressoras, não há fome. E a arquitetura? Bem, a arquitetura é o que mais me deixa extasiado, é sempre um prazer ter esse sonho! Parece que algum mecanismo no meu inconsciente é ativado e me avisa: "mais uma vez esse sonho? E aí?"
Essa cidade utópica...como eu poderia descrever essa arquitetura? É como se o familiar e o monumental fossem um só! O sublime e o pitoresco se fundissem. Como a cidade babilônica do filme "Intolerância" convivesse com um povoado como o de Ibiapina por aqui no agreste. Gaudi encontrasse Artigas que encontrasse um construtor do século XIII. É uma cidade mágica! Policromática. Etérea. E falo sério! Ela sempre aparece nos meus sonhos! Sábado mesmo sonhei mais uma vez com ela! Esse meu inconsciente e minha vontade de sonhar nunca param! Eu sou danado!

Eus

Hoje tento me conectar com todos os "eu" que teriam sido
Se eu tivesse seguido a carreira de turismo
Se eu tivesse ido morar com meus pais em Fortaleza
Se eu tivesse ficado no Recife
Ou nunca saído de Gravatá
Ou feito aquele curso de RI e hoje estaria na Ásia
Ou ter aceito aquele trabalho voluntário no Quênia
Ter dito sim naquele momento e estaria na Itália
Ou pensado mais antes dos meus impulsos arianos e ter morado em São Paulo
Ou ter comido menos na adolescência
Ou não ter crescido vendo TV
Ou ter esperado mais 2 dias antes de vir ao mundo
São tantos "eus" que estão soltos por aí
Velhos, feios, bonitos, ricos, miseráveis, brilhantes, mesquinhos, derrotados ou vaidosos
Às vezes eles aparecem em sonhos (sim, aparecem)
Uns crianças, outros velhos
E eles sempre, sempre me dizem
Em inglês, francês, espanhol, português
Que este mundo material é passageiro.

teimoso

Eu sou nordestino...e teimoso
Nordestino e teimoso
Nordestino, teimoso, cosmopolita
Eu sou teimoso, assim como muitos nordestinos que vem teimando, antes mesmo dos meus pais nascerem
Se aventurando por essas bandas aqui
Não sou artista, não sou modelo, não sou ator, não sou músico
Não sou o fetiche pernambucano
Sou só mais um...teimoso, que veio pra cá
Eu sou igual aos porteiros,
Às empregadas domésticas,
Às atendentes de caixa,
Aos soldadores,
Aos garis.
Eu sou um teimoso (...)
Um teimoso que incomoda às vezes
Mas sou teimoso

(Proclamei isso em algum dia de 2017 no Rio de Janeiro)

sábado de novembro

Minha avó dorme. Minha tia faz crochê. Meu pai escuta blues. Meu tio assiste o jogo em silêncio. Um homem passa de cavalo. O céu fica laranja. E minha sobrinha dorme. Um ciclo.

ewe

Olhei pela janela alta na madrugada de garoa, pensando na sobrinha e no futuro dessa nova geração, ouvindo essa música e chorei de força e alegria pensando:
Vamos apagar a intolerância com as religiões de matriz africana! Vamos aceitar que a nossa Terra é feminina! Vamos valorizar a vida e a dignidade humana para todos (para todos! Sem rações ou esmolas!) Vamos abrir espaço para arte e vida serem uma só! Vamos horizontalizar a cidade e nossas relações! Vamos esquecer as roupas de marcas importadas, carros do ano e apartamentos no jogo imobiliário especulativo (tudo é tão efêmero!). Vamos sorrir de volta com o coração para os pequenos! Vamos acabar com a fofoca, o rancor e a mesquinhez das coisas materiais! A matéria não é nada! Amorfa, sem vida, perecível! A vida é tão mais complexa e emaranhada e surpreendente que o consumo! Vamos respeitar as diferenças: étnicas, religiosas, de orientação sexual, de gênero! Vamos respeitar O OUTRO! SABER OUVIR! Aprender com as mulheres que tanto trabalharam com os braços e os corações para manterem a nossa vida em tantas gerações! Vamos deixar nossas cidades respirarem! Viver para além das selfies do instagram! E desejar o bem comum, a todos!
É assim que quero viver, até o fim dessa minha vida! Quem quiser me acompanhar, estou aqui!

O que aprendi no Rio

Coisas que aprendi/conheci e reforcei no Rio:
Pedir "água da casa", amar Mate, ver a simplicidade da vida, aprender a economizar e ver promoções de supermercado, estar aberto para conversar com pessoas e universos diferentes, ampliar minhas referências de música de vanguarda, me aprofundar na música brasileira e gringa dos anos 80 e 90, conhecer mais de teoria e arte contemporânea, filosofia da arte, teoria da história, história da arte, ampliar meu olhar para obras de arte e construções, expandir minha cultura pop, desconstruir a ideia de bom ou mau gosto, derrubar os pilares de gênero e sexualidade, conhecer a discografia do Kid Abelha, ouvir e reviver histórias do Rio nos anos 80, mergulhar de cabeça no cinema nacional, me aprofundar nos ensinamentos do espiritismo, me situar politicamente, ponderar e ponderar os discursos, aguçar meu olhar poético para o mundo/para a vida!
Se segura, mundo! To levando essa bagagem toda junto comigo!

Sonho em agosto

Eu tive um sonho..que você era casadx com outrx que já tinha me dado um toco também...vocês moravam juntos numa mansão imensa nas montanhas. Num dia de eclipse total eu me juntei a um grupo de bastardos, coadjuvantes, esquecidos e lunares e fomos na casa de vocês tomar de volta os raios solares que vocês haviam sequestrado. Tudo estava em eclipse, escuridão! Enquanto vocês circulavam pela casa enorme falando sobre coisas que estavam em falta para comprar no supermercado, com seus ares altivos e solares, apolíneos, carnavalescos, fluminenses, hipsters-renascença, cósmicos; nós, como ninjas, sombras, vermes, como molduras, sobras, raspas de tacho, vísceras e reciclos circulávamos pelos cômodos espaçosos da casa, por entre cortinas e tapetes e sofás, sorrateiros, em gestos e movimentos como nas danças da Pina Bausch (havia muita beleza nisso!). Pois assim tomamos os raios de sol. Mas não para nossa posse: "O sol (deve) nasce(r) para todos". Não havia mais eclipse!
Assim funciona meu coração e mente nas inconsciências dos meus sonos. Acordei num súbito e com previsão de chuva.

Sonhos em Julho - II

Dez da noite, enrolado numa toalha, apressado procurando roupas para sair, camisas feitas de colchas e lençóis com estampas da infância. Mãe atenta e sorridente aos meus movimentos me lembra das meias. Barulho nas ruas de amigos. Franceses como hóspedes na minha casa toda com as luzes acesas. Coração disparado em expectativas de algo que está para acontecer. Frio na barriga. Percebo que ainda estou de toalha e as visitas da sala me observam. Vergonha. Encontro a camiseta. Frio na barriga.
Assim acabou de ser um sonho que tive. Acordei para registrar. Volto a dormir. Boa noite

Sonhos - Julho 2017

Hoje tive daqueles sonhos que você não quer mais acordar. Tinha 18 anos, experimentando sensações de primeiro amor. Recém chegado numa cidade sem problemas. Juventude. Beleza. Afetos. Abraços. E aquela luz que não te deixa empalidecer.
Mas aí acordei com frio do lençol que não deu conta, o latido do cachorro e o carro dos pães passando na rua. (Back to life, back to reality)

domingo, abril 30, 2017

O ovo cósmico de Hildegard de Bingen

Ilustração "O ovo cósmico ardente" por Hildegard von Bingen, presente no manuscrito "Scivias" (século XII)
Hildegard von Bingen foi uma monja beneditina que viveu entre os séculos XI e XII numa região onde hoje seria a Alemanha. A ilustração acima é fruto de uma das cosmovisões místicas de Hildegard, revelando interpretações acerca do firmamento e da existência no mundo terreno.
O "ovo cósmico" envolto em chamas, apresenta no topo a figura da estrela do Sol, acompanhado por três estrelas menores (provavelmente os planetas conhecidos de Marte, Júpiter e Saturno). Na camada mais adentro, pilhas de granizo a emitirem como línguas de raios. A figura dentro dessa moldura assemelha-se a um formato de amêndoa repleto de estrelas douradas, a Lua e duas estrelas vermelhas (provavelmente Mercúrio e Vênus). Indo mais para o centro da ilustração, encontramos dez espécies de montes verdes seguidos por uma camada violeta de linhas aninhadas como um novelo, assim como uma camada azul-claro que pode corresponder à nossa atmosfera. No centro dessa espécie de mandala, encontramos o que Hildegard chamava de "globo arenoso de grande magnitude" (a Terra), com uma espécie de rio (mar) que a atravessa na ilustração. Cada camada possui também uma fonte específica de vento, representada por uma forma tri-facial.
Hildegard comparava Deus a um ovo cósmico que ardia em chamas no Universo, esvaziando-se e preenchendo-se como um útero, a alimentar toda a vida presente nele. Um sagrado feminino como Amor Divino, a essência do Universo, a força flamejante a queimar no sol, na lua, nas estrelas movendo tudo para uma existência e trazendo toda vida a brilhar com essa luz.
Aqui refletindo, concluo: Hildegard trouxe à tona o feminino como a essência da vida, da existência, do universo. Por que ainda as sociedades ocidentais insistem na diminuição desse mesmo feminino? (Para reflexão!)

Horace Walpole

Literato, antiquário e historiador da arte, Horace Walpole viveu no século XVIII na Inglaterra e foi um entusiasta da arte gótica, naquela época ainda considerada uma arte grotesca, estranha (já que a referência de ARTE seriam as produções da ordem greco-romana). Na contramão daquilo que seria o padrão da época, Walpole explorou as possibilidades do gótico na arquitetura, na literatura, no mobiliário. Seu jeito afeminado e gosto por uma estética que não seria considerada tão viril como a do Homem Vitruviano (o cânone das proporções humanas), mas antes uma arte "diferente" o aproximou de um arquétipo de "queer" (uma palavra inglesa que nos séculos 16 e 17 significaria algo como "estranho", peculiar", "excêntrico"), uma referência a algo ou alguém que fosse considerado um desvio do padrão!

a visão

Entre os séculos XIII e XIV na Europa, o sentido da visão humana era compreendido de uma maneira bastante peculiar. Já se acreditava na época que o enxergar não terminava apenas no olho. No cérebro humano, haveria uma espécie de sistema formado por cinco regiões que processariam a visão. O filósofo persa Avicenna (980-1037) apresentou um esquema do cérebro onde o olhar humano percorria. Primeiro seria a área do "senso comum" onde se apreendia as aparências das coisas; depois, a célula da imaginação (ou ymaginatio vel formalis) que retinha as formas percebidas; em seguida a "estimativa" era responsável em julgar essas percepções; seguida pela "cogitativa" responsável por combinar imagens e possibilitar a imaginação de seres e coisas fantásticas; e por último, na região posterior da cabeça estaria o "armazém" da memória (vis memorativa), havendo em sua abertura o "verme do cerebelo" que se abria para deixar as imagens entrarem na memória.
Apesar das ciências modernas terem posteriormente refutado essas interpretações, eu considero de uma riqueza extraordinária muitas das visões de mundo que sociedades anteriores à nossa construíam! Significados mágicos e simpatias se perdem nesse nosso mundo que se obriga a racionalizar tudo, tornando a existência cinza e muitas vezes enfadonha. Sejamos um pouco mágicos sempre! Não deixo de acreditar em astrologia, nas rezadeiras, nas mudanças de tempo e humores, mau-olhado, circulação de energias, força de pensamento, previsões. A vida é muito mais matizada assim!
Na gravura: O diagrama de Avicenna, datado em c. 1300. Obs: Reparem no "verme" localizado na entra da câmara da memória!

sonho

Eu acho que há uma força, uma projeção de vidas passadas, uma confluência de energias para que eu continue no Rio de Janeiro! E o que mais evidencia isso são os meus sonhos! Sonhei essa semana que morava numa casa semelhante à casa da minha avó em Gravatá, só que era uma casa mais "vintage" com uma coisa meio tropical neovitoriano, e a casa parecia estar situada num tempo de primeiras décadas do século XX, resplandecente e com a varanda de cara para o Corcovado! Que sonho lindo! E meus pais estavam na casa e me diziam "esse é seu lar!" Bem...com sonhos emaranhados assim em espaço-tempo-afetividades não se brinca!

tinder

Onde estão os espaços físicos de sociabilidade? As horas marcadas e o compromisso de não cancelar encontros meia hora antes? O tête à tête e as conversas acaloradas numa mesa de bar? Livre da síndrome do "ah, achei interessante, mas o próximo da fila sempre será mais"....

coração

Tenho um coração vasto. Mas que não se coloca intrometido. Ele pede licença, bate antes de entrar, traz consigo um agrado antes mesmo de puxar um assunto. Um coração vasto. Sincero e sagaz. Cinematográfico. Espalhado como orquestra. Um coração que partilha, sente, compartilha, tece empatias, que ainda percebe o que pode ser amar sem esperar. Um coração atento, que ouve (sentidos internos e ruídos lá fora). Que já não sonha, mas sorri e se coloca aberto, sobretudo nas grandes metrópoles. Pouco assustado, mas astuto. Não é coração de Fagner ou Roberto Carlos, mas sim um coração de Wilde, Brecht, talvez Hilst. É um coração vasto (não consigo definir melhor).

sexta-feira, fevereiro 17, 2017

O dia que me senti mais sozinho no Rio

O dia que me senti mais sozinho no Rio
Andando pelo Centro
Entre suas construções megalomaníacas e fantasmagóricas
Amalgamadas em camadas disformes do tempo
Percebo as pompas monárquicas
As sutilezas da Belle Époque
As vozes das resistências negras
Os nódulos da ditadura
Os ecos da colônia
Entre um almoço com amigos e caminhadas nas ruas
Soluço
E desejo desdobrar todas as obrigações e razões
Para viver a cidade de uma maneira mais coletiva
Porque nunca me senti tão sozinho como hoje
E penso: Rio, não me deixe.
Você não pode ir ainda muito com a minha cara
Mas eu já conheço teus sinais, sintomas e sintonias
Teus cosmopolitismos e provincianismos
Tuas manias de grandeza e tuas resistências
As gambiarras e ostentações
Eu sinto o cheiro dos ossos dos teus habitantes
E preciso desse teu exagero solar
Que amansa minhas luas
Rio, não me deixe!
Essa minha carcaça pode ser rasa e perecível
Mas o coração é vasto
Me acostumei com tua poesia mundana
Tuas óperas sobrepostas e distorcidas
Eu conheço tuas almas, você já não me engana!
Nem de longe você é um mero postal turístico
Ou uma nota de samba for export ou bossa nova de novela
Conheço teus ruídos, teus silêncios, teus aplausos e condolências
Rio, não me deixe!
Não me deixe nunca mais me sentir tão sozinho como hoje
Me senti em São Paulo
Já me deixo levar por tua sinfonia cotidiana
Diferente das que ficaram em Pernambuco
Essas para mim, já se tornaram partituras de vitrines
Telas bonitas em molduras, com penduricalhos de frevos e receitas da minha avó
Rio, não me deixe!
Apenas me perceba, saiba da minha existência
Mesmo que te incomode, mesmo que te inquiete
Me deixa respirar tua rotina
Por muitos mais anos
Mesmo que você se decepcione nas minhas fraturas expostas
Nas minhas imaturidades assustadas
Não me deixe, porque aí seria partir para um limbo.

terça-feira, dezembro 27, 2016

Saudade

Hoje eu acordei sentimental! É a Saudade....Saudade das pessoas! Pessoas que estão nesse momento em Gravatá, Caruaru, Recife, João Pessoa, Petrolina,Vitória, Mirandiba, Santa Maria da Boa Vista, Garanhuns, no Ceará....em BH, São Paulo, Porto Alegre, Brasília....Natal, Goiânia, aqui mesmo no Rio, na Europa, nos EUA...e vizinhos aqui na América do Sul. Muita gente dessa minha timeline...os amigos que falo com mais, média ou menos frequência. ..pessoas dos meus dois cursos de graduação e mestrado. ...dos lugares onde estagiei, onde já trabalhei....pessoas das aventuras, das noites em reflexão ou farra....dos eventos e das esperas....de quem já conseguiu me tirar sorrissos....tanta gente....Não esqueço!
Sempre me pego lembrando das pessoas, com carinho, na vontade de reencontrar, de conversar pessoalmente, de partilhar, trocar. Muita gente incrível!
(Isso tudo pode soar cafona mas nem ligo!)

Trilha acadêmica

Dissertação de Mestrado também pode ter uma trilha sonora! Ainda mais quando o objeto estudado é a arquitetura (uma irmã mais chegada da música). Na minha playlist acontece: Hildegarda de Bingen, Arvo Pärt, John Tavener, Teresa Salgueiro, Cocteau Twins, Enya (só com sintetizadores), Nico Muhly, François Couperin, Gigi Masin, Ólafur Arnalds, Richard Einhorn ..........

quinta-feira, outubro 27, 2016

Onde está nossa primavera? (ou a empatia dos humanos)

Hoje estava num transporte voltando pra casa e me deparei num momento com três adolescentes que entraram no veículo e sentaram perto de mim. Pelas conversas que ouvi, os mesmos pareciam ser de alguma comunidade e conheciam a realidade do tráfico (isso era bastante nítido pelos diálogos). Percebi que algumas pessoas ficaram um pouco nervosas com a presença desses rapazes, e eu, que estava do lado deles, apenas comecei a pensar....
Se eles tinham algum envolvimento com assuntos ilícitos não caberia a ninguém julgar a princípio. Um deles até poderia ser meu irmão mais novo, adolescentes, como os alunos de ensino médio que já dei aula. Mas independente das histórias individuais daqueles meninos, eles me fizeram refletir sobre milhares de adolescentes que já nasceram condenados nas comunidades.
Uns enxergam no tráfico uma oportunidade de sair de suas condições de sub existência. Numa sociedade que prega todos os dias (sobretudo via meios de comunicação) para que sempre corramos atrás do ter e do poder, gostaria que você refletisse como essas mensagens são processadas nas cabeças de jovens que enfrentam a escassez quase diária por um prato de comida.
Outros buscam a inserção na sociedade, como os chamados "homens de bem", mas as portas e caminhos são restritos a muitos, seja por sua raça, seja por sua condição financeira. Muitos são empregados (porém, na margem da pirâmide do sucesso profissional, subalternos, serviçais). Como deve ser feliz viver pra trabalhar, em serviços por vezes pesados e ganhar uma mixaria para sustentar uma família, né? E o tempo para o lazer? E para o repouso físico e mental? Bom, muitas vezes isso pode ser luxo para quem não nasceu na roda da meritocracia (Pensem nisso também!)
Não estou justificando aqui que a criminalidade deva ser uma saída para esses jovens, e antes que algum acéfalo grite que eu sou "defensor de bandido", antes de tudo sou um defensor dos direitos humanos, direitos que deveriam se estender a todos e de maneira irrestrita!
Quando eu ouço tiros vindo do morro, ou quando roubam o meu celular, eu não enxergo o indivíduo que cometeu o ato! Enxergo a nossa sociedade, construída historicamente sob a base de uma desigualdade gritante. De uma elite ínfima detentora de boa parte das riquezas do bolo, e em sua grande maioria banhadas num total desdém para com os marginalizados (de uma maneira que faria até Luís XVI corar!)
Somos seres patéticos, desprovidos de empatia, onde queremos o "nosso pirão primeiro", numa corrida desenfreada pela busca de poder e lucro (como se fossem estandartes da felicidade).
Há dias que acordo sentindo a "Dor do Mundo", quando paro e penso que muitos de nós já nascemos condenados, marginalizados, enquanto os poderosos, no máximo chegam com migalhas de "Criança Feliz" e doação de cesta básica mensal. O que todos queremos e buscamos é dignidade! Isso é o cerne dos direitos humanos! Enquanto não atingirmos isso, continuaremos sendo mais indignos que porcos, animais bestializados e gananciosos, que usam, por vezes, de divindades espirituais para seus próprios proveitos.
É muito fácil criticar esse "textão" quando você nunca se sentiu à margem. Com seu CEP privilegiado, seu plano de saúde "top" e suas viagens anuais pra Europa. Também não quero acusar a classe média numa fornada só de não se importar com o "vizinho do morro ali atrás" ou a "secretária de minha cozinha", mas não podemos negar que muitos dessa chamada classe adoram reproduzir os trejeitos e manias de uma elite que eu diria ou ser "naive" ou então desgraçada mesmo!
Como é que nós podemos julgar um jovem de uma comunidade, que tem ao seu dispor um número limitado de opções de sobrevivência que oscilam entre entrar para o crime ou escolher uma profissão que não irá oferecer lá tantas oportunidades nesse nosso modelo meritocrático de "cinderela"? E que mesmo as duas ou mais desdobramentos dessas opções muitas vezes não irão fazer diferença para o tempo de vida desses rapazes, condenados na linha de fogo da "guerra ao tráfico" ou dos abusos da polícia e milicianos pela sua condição de preto, pobre e favelado.
Não sou santo, mas cada dia me pergunto mais pra onde estamos caminhando? Mercedes Sosa já dizia "Todo Cambia". No fundo, minha alma e meu coração quer acreditar nisso! Numa primavera!

sábado, outubro 22, 2016

Música Periférica

Numa pausa para ouvir minhas músicas, me deparo com dois artistas que acho incríveis: Omar Souleyman (da Síria) e Konono nr 1 (do Congo). Artistas que nasceram no coração desses países e ganharam o mundo, inclusive em festivais famosos europeus, mas que em seus países (inclusive tendo já conversado com pessoas que moram neles) são artistas considerados bem populares e "chulos", declarações que me fizeram lembrar os pseudo cults brasilis ao se referirem aqui ao Pablo "sofrência" ou, sei lá, Calypso antes da fama.
Acho que agora entendo a sensação de um estrangeiro quando vem ao Brasil e fica impressionado com a música periférica (não das garagens lo-fi da classe média paulistana) mas das regiões socio-geograficas periféricas (nos teclados, guitarras, plásticos e parafernalias das favelas e pequenas cidades dos nossos sertões) chamados de "cultura de massa" por não se apoiarem nas tradições patrimonializadas de maracatus e bois e rejeitados pela crítica por serem considerados. .."chulos "
O brega-pernambuco, o funk, o forró sintetizado, o "lypso" paraense, junto com os periféricos da Siria, Congo, Mali, Camboja, México, das festas de casamento e comícios, longe dos olhos turistas que buscam "autênticos", só me fazem ter certeza desse movimento invisível e avassalador de palavras, engenhocas, vozes, improvisos nas mãos, ouvidos e mentes das pessoas. Música!
Música longe de críticas e listas para consumir before you die. Sem elitismos e segregações. Espíritos e ouvidos generosos e abertos ao mundo!

Perdão

Eu sou daqueles que pensa que todos nós já fomos idiotas alguma vez na vida. Tenho certeza que já magoamos alguém ou um grupo de pessoas muitas vezes sem pensar nas consequências, numa falta de empatia para com o outro. Isso é muito sério, mas acredito que também somos capazes de nos arrepender e de aprender com as patadas da vida. A empatia é algo muito importante, mas o perdão também deve vir junto. É um movimento difícil, mas todos nós deveríamos tentar na vida trabalhar esses dois lados..a empatia e o perdão. Se achar o supra sumo do empático e deixar o perdão na margem te faz o mesmo orgulhoso o qual você julga, ali impossibilitado de perdão para todo o sempre (sem importar o que o outro possa tentar fazer pra reparar)
É complicado, e falo isso porque sei que não é fácil pra ninguém (inclusive pra mim) ......mas somos muito orgulhosos (e acho que isso em excesso também nos faz muito mal em nossa vivência com outros humanóides).

Fora Quem?

Uma amiga foi num mercadinho popular em Madureira e na espera da fila no caixa viu uma mulher reclamando que o preço do "macarrão instantâneo" estava um absurdo. A senhora bradava alto, reclamando dos preços e de tudo, do país. A caixa, que aturou os gritos também direcionados a si por um um tempo, não aguentou e respondeu: "a senhora deveria reclamar desse aumento das coisas com esse seu presidente aí.... aposto também que meses atrás você deve ter gritado muito - fora Dilma - ". A mulher, irritada, saiu bufando do mercado. Agora eu me pergunto: "será que o povo é mesmo tão analfabeto político como se costuma pensar na canalhice do senso comum normativo" ? Não subestimem as populações menos privilegiadas!

Mais Lima Barreto - II

Grande Lima Barreto, que já no início do século XX observava as transformações da cidade carioca e o "legado" segregador que deixariam para as próximas décadas. O que o mesmo diria agora dos Jogos de Olympia ao prefeito nervosinho-playboy?
"Não se abre um jornal, uma revista, uma magazine, atualmente, que não topemos logo como propostas de deslumbrantes e custosos melhoramentos e obras. São reformas suntuárias na cidade; coisas fantásticas e babilônicas, jardins de Semíramis, palácios de mil e uma noites e outras coisas semelhantes que eles propõe sejam feitas, no mais breve espaço de tempo possível. Houve um até que aventou a idéia do ministério da agricultura e prefeitura municipal construírem um prado de corridas no Leblon, visto gastar-se tanto dinheiro em coisa inútil. É claro que (...) se o artigo fosse assinado, o seu autor merecia ser lapidado pelos miseráveis e pobres que não têm um hospital para se tratar, pelos mendigos e estropiados que não possuem asilo onde se abrigar." (agosto de 1920)

Das impressões que tive na Pernambuco tour 2016 (que está por acabar)


1. O sertão continua lindo
2.A Catedral de Petrolina é mais complexa do que pensava da primeira vez que a visitei
3. Não existe carão em Caruaru (diferente de Recife, onde o título permanece)
4. Me senti adolescente em Gravatá diversas vezes
5. Minha mãe é linda
6. Recife tá virando um mar de prédios a perder de vista engolindo toda sua espontaneidade
7. O quiosque do açaí das meninas em bvg é o melhor point do bairro (gostei do Ramon também)
8. Olinda continua maravilhosa, e agora mais animada
9. As igrejas do Recife e Olinda são um patrimônio de beleza universal. Consegui visitar 25 no total (mas algumas mais ficaram pra próxima)
10. O Recife está ficando caro
11. O Conchitas é o lugar mais interessante (novo) da cena recifense
12. Meus amigos aqui são a melhor coisa da cidade
13. Eu acho que teria uma casa em Olinda no futuro
14. Senti uma necessidade de continuar escrevendo e pesquisando sobre o interior do meu Estado
15. Estou ansioso pra assistir Aquarius e sei que aquilo lá infelizmente é como sinto hoje o Recife (que tem voo direto pra Havana mas está se distanciando dela cada vez mais)
16. Eu amo o sotaque daqui e nunca vou perde-lo e tô pouco me lixando pra quem acha ele engraçado ou feio
17. São João será pra sempre minha festa preferida (mas gosto dela feita em casa, com milho na fogueira)
18. A Várzea continua sendo um dos melhores cantinhos da cidade do Recife
19. Não cansei de dar beijo e carinho na minha vovó materna
20. Os amigos que não consegui ver, na próxima a gente se encontra

Em defesa do Rio

Podem falar o que for do Rio, mas me desculpem, problemas sociais existem em todas as nossas capitais, e nada nem ninguém vai mudar a minha paixão pela cidade. E não falo apenas da Zona Sul não, o Centro, a Zona Norte, existem vários Rios que me fascinam e que se revelam múltiplos e interessantes. Se isso é romantismo ou não, me desculpem mais uma vez: Eu sou uma pessoa romântica!
No fundo, acho que há muito de complexo de vira-lata nosso atacar os nossos problemas, sabe? Parece que nada no Brasil é bom. E como disse um amigo a pouco, falar mal do Rio num momento crítico como esse de governo PMDB é como "chutar cachorro morto". Acho que precisamos separar um pouco as coisas e buscarmos também nos unir em prol de melhorias para o lugar onde vivemos (do que ficar reclamando no FB). Pois escolhi e escolho mais um vez continuar por lá, mesmo diante de dificuldades que estaria enfrentando mesmo se estivesse ainda em Pernambuco. Posso dizer que minha alma está mais feliz no Rio do que andava por aqui (mesmo amando o meu Estado de origem).
Uma pessoa lunar como eu precisa de uma cidade solar, uma cidade onde as pessoas são mais abertas, onde há menos carão, onde se frequentam as ruas e espaços públicos com mais avidez, uma cidade menos privada, de um espírito festeiro e menos bitolada numa vida só de trabalho e racionalizações da vida. Preciso de ares de cidade litorânea cosmopolita, sempre acostumada com as novidades que chega (vam) do mar. Por isso, vai ter RIO SIM.
O resto é recalque, sorry!

17 fatos

Com essa profusão de correntes e meu aniversário chegando, resolvi fazer uma lista com 17 fatos sobre mim. Vamos ver se faz sentido.
1. Odiava meu nome na minha infância. Achava estranho e tinha vergonha mesmo. Hoje adoro e acho ele lindo, com toda uma história pessoal e na sua etimologia (mas podem continuar me chamando de Dio que acho mais informal).
2. Fiz duas graduações e depois de muito penar realmente descobri que minha área pra vida é a História. Clio me conquistou de um jeito, que junto com a História da arquitetura, me realizo.
3. Eu realmente acredito que devo ter vivido outras vidas em países frios. Odeio calor profundamente, e pra mim, todo lugar que eu vivesse deveria fazer no máximo 18 graus o ano inteiro.
4. Há um fato de que eu quase teria um irmão que seria um ano mais novo que eu, mas a minha mãe o perdeu ainda em gestação. Às vezes imagino como seria ter esse irmão.
5. Acredito que qualquer lugar no mundo (desde uma megalópole a um lugarejo num distrito de um pequeno município) possui algo interessante a ser visto ou experimentado. Seja em belezas cênicas, arquitetônicas, artísticas, nos fazeres das pessoas, e principalmente nas histórias.
6. Três coisas que abomino e acho extremamente bizarro: machismo, homofobia e racismo. Odeio também gente fresca, que se acha demais. Gosto mesmo é de gente simples (o que não significa ser medíocre).
7. Minha paixão para todo o sempre será a música. Não consigo fazer muita coisa sem a companhia dela. E adoro ter que sair pela rua com meu fone de ouvido só pra ter a chance de ouvir música e criar videoclipes com cenas e situações do mundo.
8. No fundo, eu queria ser cantor. Me realizo em karaokes, e alguns amigos já me falaram que com algumas aulas eu conseguiria controlar bem minha voz. Acho ela interessante e ela consegue passear por várias notas (mas sou tímido pra cantar, daí ela se solta apenas depois de algumas cervejas rs).
9. Gravatá vai ser sempre aquele lugarzinho que vou tomar como uma referência romântica de vida. Na verdade, adoro romantizar bucolicamente esses lugares mais calmos e até sonho em morar de novo (mas não resisto a uma cidade grande!)
10. Tenho a alma cosmopolita e ela tem sempre fome de novidades seja na área que for. Tudo (ou quase tudo) é interessante.
11. Acredito que não exista em nenhum ser humano uma "qualidade" de mocinho ou vilão. Existem interesses distintos e anseios que divergem. O problema é quando esses desejos podem prejudicar o outro. Respeito é sempre bem vindo!
12. Eu amo pão de queijo e a pizza quadrada de Marechal
13. Meu lado "geek/nerd" se resume a: jogos de rpg, de temática histórica e de zumbis no videogame. Fora isso, consumo o resto por esporte.
14. Às vezes acho que não moraria mais em nenhuma capital no sul/sudeste que não fosse o Rio. Mas ao mesmo tempo me apaixonei um pouco por São Paulo e BH. Mas acho que há um certo romantismo nisso.
15. Existe uma grande diferença entre ser romântico na vida e ser de um romantismo barato e cafona a lá Roberto Carlos. Eu fico com o primeiro (uma coisa mais do século 18/19)
16. Acredito em astrologia, na força das energias e no pensamento próprio. De resto, me fascino apenas pela cultura material das religiões.
17. Adoro as pessoas. Não consigo viver sem elas. Principalmente os amigos (é a melhor coisa do mundo)!

Rio Solar

Uma pessoa que se enxerga lunar precisa de uma cidade solar como o Rio. Bh é linda, São Paulo é interessante, Recife tem a sua poesia, mas o Rio me atingiu em cheio. Não importa o caos, as contradições, as políticas públicas. Há uma força enérgica e múltipla que circula nessa cidade que me faz chorar quando a vejo do alto.no avião chegando ontem (por exemplo). O importante é sentir a sensação de volta pra casa. E essa é minha casa. E não falem mal dela, por favor!

Minc

Um Ministério da Cultura está além de incentivar a produção cultural, ou de adotar uma ideia de cultura atrelada a concertos no Municipal e na Sala São Paulo ou rodas de leituras em livrarias requintadas. Um Ministério da Cultura deve entender Cultura não apenas como produção artística ou como a ideia de erudição, mas também como a forma que os indivíduos em sociedade enxergam e se apropriam do mundo, como são realizadas as trocas e construções de significados para tudo que está ao nosso redor. Preocupa-se também com o estímulo às dinâmicas das práticas populares, às valorizações de identidades múltiplas, à ampliação e preservação dos espaços de memória. E a Cultura termina por ser a base da existência numa sociedade, e merece, sim uma pasta separada da Educação, mesmo as duas podendo (e devendo) andar como parceiras.

Rio - Século XIX

"O passado é um livro imenso cheio de preciosos tesouros que não se devem desprezar; e toda terra tem sua história mais ou menos poética, suas recordações mais ou menos interessantes, como todo o coração tem suas saudades. A capital do Império do Brasil não pode ser uma exceção a esta regra.
Vamos dar princípio hoje a um passeio pela cidade do Rio de Janeiro? (...) Excluamos do nosso passeio a idéia de ordem ou sistema: regular nossos passos, impor-nos uma direção e um caminho fora um erro lamentável que daria lugar a mil questões de precedência (...)
Independência completa da cronologia! (...) Passeemos à vontade: a polícia o permite e as posturas da ilustríssima Câmara não o proíbem.
Estamos no nosso direito: passeemos."

(Joaquim Manuel de Macedo, 1861)

Infância

Ando pensando muito na minha infância em Gravatá esses dias e acho curioso as proporções que minha vida tomou ao longo do tempo.
Era curioso, porque experimentei modos de sociabilidades e hábitos numa cidade que na época oscilava entre uma vida "rural" e urbana. A linha de separação entre esses "universos" era tênue.
Missa aos domingos de manhã seguida por aquele sorvete e episódio de Street Fighter no SBT. Idas a rezadeiras (uma delas morava na minha rua, numa casa tão pequena que me perguntava como ela conseguia), feiras no sábado com boa parte da população rural no núcleo urbano, mercearia na esquina de casa com aquele pão sisudo e simples mas gostoso, carrinhos feitos de lata de óleo, bois de barro, brinquedos da estrela (tinha poucos), vendedor de quebra-queixo (ou doce japonês), cocada. Fim de semana no parquinho com roda-gigante, confeitos no canudo de papel. Ausência de internet. Videogame mas por dentro das novidades apenas do que vinha nas revistas selecionadas pelos jornaleiros. Cabines telefônicas na rua do lado que minha mãe usava para ligar pra minha tia aqui do Rio. Criação de galinhas. Forno a lenha e moedor de cana na casa da minha avó (sem esquecer o processo de fazer castanha de caju, torrado naquelas latas de querosene). Cansei de ver minha vó fazendo queijo, abrindo e depenando galinha e explicando os órgãos do bicho. Ao mesmo tempo eu brincava na enciclopédia de 1995 no computador, e aprendia inglês no programa em CD-Rom que vinha de bônus (junto aos jogos em primeira pessoa que eram a sensação da época. Pelo menos era o que eu achava). Brincadeiras na rua, descalço. Dias e dias no sítio do meu avó (que nem era uma região exótica, mas sim uma quase extensão de nossos quintais, onde no meu cresciam pés de goiaba, seriguela, carambola, acerola, junto às galinhas de estimação minha e da irmã - lembro delas até hoje). Custei a tomar leite direto da vaca, retirado ali na hora, mas quando provei com achocolatado, adorei (garoto mimado).
De certa forma me sinto privilegiado por essas vivências, que só fortaleceram minha personalidade e meu instinto cosmopolita. Às vezes fico romântico e penso até em voltar a viver assim. Mas não é mais possível. Adoro os movimentos das grandes cidades, o borbulhar, o buxixo, a música urbana não me entedia nunca. Já estava achando até Recife pequena!
Não quero voltar (e isso não se trata de uma afirmação de desdém a um passado que estimo tanto e que acalenta meu coração naqueles momentos de reflexão solitária). Apenas saber que tudo aquilo ainda está ali (agora pintado de outras formas), e reproduzido milhares de vezes na minha mente e coração, já me conforta!
O passado é um repouso, não uma doença febril. Sentindo dessa forma, ele me impulsiona para todos os lados, através dos meus fragmentos de recordação.

Romântico

Eu vejo os anúncios nas revistas e jornais das décadas de 1920 e 1930 e tenho um sentimento de nostalgia, quase como de infância. Vai ver que nascido nos anos 1980 no interior de Pernambuco e ainda sem a velocidade da internet (apesar da força da televisão), os anúncios nas pequenas revistas locais e nos carros sonoros pela cidade no período do Natal me tragam essas lembranças. Acho romântico.

Diomedes

Existem 931 Diomedes no Brasil. A maioria nascidos na década de 1960. Na minha década de nascimento, 1980, nasceram apenas 106, e aos poucos vem diminuindo esse gosto por nomes gregos diferentes. Hoje adoro esse nome, e acho de uma extrema ignorância quem confunde ele com outros nomes mais simples, tipo, Diógenes (pronto, falei!) rs

Esquerda caviar?

Para aqueles que adoram usar o termo "esquerda caviar":
Por favor, reflitam que a empatia ainda é um sentimento presente nas pessoas (não importa a condição social delas). E que mesmo aqueles que nasceram ou conquistaram privilégios numa sociedade tão desigual como a nossa podem sim se preocupar com questões sociais na direção de um país com mais igualdade de direitos e oportunidades!
Mesmo essa chamada "esquerda caviar" muitas vezes não conhecer a realidade de uma favela ou de uma área fora do Centro-Sul, do que impede desses mesmos vislumbrarem um futuro em que todos possam comer caviar ou frequentar aquele restaurante no Leblon?
Aqueles que adoram usar o termo "esquerda caviar", abusam dessas palavras ou por pura ignorância ou pela má fé egoísta mesmo de pensar: "já tenho o meu, do que me importa a situação do outro? "
Muitos se dizem tão religiosos, mas como estão longe dos ensinamentos básicos dessas doutrinas!
Onde está a empatia? E que bom que temos nossa "esquerda caviar". Mostra pelo menos que não somos uma sociedade egoísta e mesquinha de todo!

O amor, segundo um artigo de jornal em 1917


"Um retórico: O amor é uma figura por meio da qual dizemos umas vezes o que não sentimos e sentimos outras o que não dizemos.
Um Farmacêutico: O amor é uma pílula muito amarga, adoçada por fora para que não repugne o paladar
Um Acrobata: O amor é um salto mortal
Um Médio: O amor é uma enfermidade rara, que requer para cada caso um tratamento especial
Um Filósofo: O amor é o nada envolto n'uma ilusão
Um Gastrônomo: O amor é um manjar apetitoso, porém indigesto
Um Dentista: O amor é uma espécie de dente, que se não pode arrancar sem dor
Um Sapateiro: O amor é uma bota, que só quem a calça sabe onde lhe aperta
Um Militar: O amor é uma campanha, cujo plano se deve estudar, séria e detidamente
Um Físico: O amor é uma corrente elétrica, estabelecida entre dois corações
Um Químico: O amor é um precipitado de alucinações e de cegueiras"
Definições de amor em tempos de Guerra

Rio - 2 anos

Há exatamente dois anos atrás estava eu chegando com passagem só de vinda ao Rio de Janeiro! Com a sorte lançada e deixando tudo pra trás, vim fazer minha vida. E ela está se construindo! A cidade hoje já me envolveu por completo e não penso mais em voltar. Quanta coisa nesses dois anos! Quanto amadurecimento! Amizades antigas e novas. Muitos aprendizados. Quatro diferentes moradas (com a última e atual mais que especial)! E a cada dia, novos Rios se revelam para mim: essa cidade tão plural, tão sobreposta e atravessada de temporalidades, tão contraditória e transformadora! Hoje posso até me atrever a dizer que conheço o Rio tão bem como muitos cariocas (já ganhei esse título por vários deles). Devorei suas histórias e andei e vivi por muitos de seus bairros (Flamengo, Tijuca, Glória, Madureira, Copacabana, Meier, Gávea, Freguesia, Barra, Valqueire, Botafogo, Penha, Engenho de Dentro, Catete, Cinelândia, Carioca, Lapa, Uruguaiana, Humaita, Andarai, Vila Isabel, Usina, Campinho, Cascadura, Praça Seca, São Cristóvão, Maracanã, Praça da Bandeira, Estácio, Laranjeiras, Santa Teresa.....)
Me sinto realmente em casa aqui e as lutas continuam e as invejas não me derrubam (porque meu santo é forte!) Essa imagem mostra um dos primeiros cenários que se via da cidade ainda no século XVIII (quando se chegava pelas embarcações na baía de Guanabara), com a Candelária e o CCBB hoje, em vista.
Obrigado, Rio! E que venham mais 20 anos!

Mais Lima Barreto

Nas minhas pesquisas fico cada vez mais impressionado com a figura de Lima Barreto, e como ele conhecia bem as transformações urbanas e arquitetônicas da então capital brasileira no início do século XX e as contradições de sua população. Problemas que surpreendentemente ainda persistem nos dias de hoje.
Lima Barreto criticou a demolição do Morro do Castelo, do Convento situado na Cinelândia e do projeto da Avenida Beira Mar (que propiciaria a formação do que conhecemos hoje por Zona Sul). Gastos suntuosos que priorizariam a ocupação elitista no litoral em detrimento das populações do subúrbio.
Em artigo na Revista "Careta" de 1921, Lima Barreto dispara:
"Vê-se bem que a principal preocupação do atual governador do Rio de Janeiro é dividi-la em duas cidades: uma será europeia e a outra, a indígena"
(Hoje, nós também ainda temos, na mente de muitos governantes, uma cidade separada pelo Túnel Rebouças)

quarta-feira, maio 04, 2016

20 vezes 3

Um dia fui almoçar num restaurante bem tradicional aqui do Rio chamado Eskimo, localizado na Travessa do Ouvidor no Centro. Por vinte reais, você tem direito a um almoço bem servido (com várias opções e combinações disponíveis), um refresco e sobremesa. Um preço relativamente até em conta.
Na hora de pagar a refeição, estava na minha frente uma senhora com seus dois netos (provavelmente) perguntando à caixa quanto era cada almoço. Ao saber do valor, a senhora mexeu nos bolsos e olhou para seus netos (mas sem um semblante de vergonha), como se quisesse dizer: "é, hoje não vai dar".
Paguei o meu almoço e olhei de longe a senhora com seus netos virando a esquina. Na minha cabeça só vinha uma frase:
Queria ter aqueles sessenta reais
Queria ter aqueles sessenta reais
Queria ter aqueles sessenta reais

mais do Rio

Acho que hoje foi o dia que mais andei no Rio de Janeiro e passei por vários bairros. Entre um ônibus e outro, e compromissos, andei a pé pela Tijuca (meu bairro), Lapa, Flamengo, Botafogo, Urca, Meier, Madureira! Fotografias mentais e digitais. O Rio ainda me inspira muito, inclusive na escrita (seja ela acadêmica ou não). Te amo, Rio! Confesso! Aceita esse pernambucano!


A esfiha no Largo do Machado
A ciclovia do Aterro do Flamengo
Os jardins do Palácio do Catete
A Igreja da Glória do Outeiro
As ruas do Flamengo
As casas ecléticas da Glória
A praia de Flamengo/Botafogo (a vista da baía)
Os bares da Voluntários da Pátria
O Fornalha/Catarina
A casa de Grandjean de Montigny na Gávea
A paisagem da Rocinha
O Saara
A Cinelândia
O convento de Santo Antônio
As ruas de botafogo
As pedras da Urca
O hotel de Januzzi na Avenida Rui Barbosa
O CCBB
A igreja da Candelária
O bairro da Saúde
As ladeiras de Santa Tereza
A imensidão da Presidente Vargas
A praça Tiradentes
A avenida Passos
A rua Santa Luzia
O mate no centro
O almoço do Eskimo
O Rivalzinho na Cinelândia
O Theatro Municipal
A rua do Lavradio
O buxixo da Lapa
A Praça XV/Arco do Teles
O largo de São Francisco
A Praça Mauá
O morro da Conceição
As bibliotecas do Centro
O art deco na Tijuca
A Praça Saens Pena
O Largo da segunda feira
O almoço na Uruguai
As comidas na Dias d Cruz no Meier
O buxixo do Meier
O prédio da UERJ
As casas de Engenho de Dentro
A estação ferroviária de Marechal
O Parque de Madureira
O shopping Madureira
A praça do patriarca em Madureira
A praça na Vila Valqueire
A praia na Barra
As quentinhas do Campinho
A paisagem em Del Castilho de noite (que lembra Gravatá, os morros ao longe)
O hotel Marina no Leblon
A Casa de rui Barbosa em botafogo
A feira das yabas em Madureira
A feira de São Cristóvão
A quinta da Boa Vista
A festa junina da Afonso pena
O mosteiro de São Bento
A igreja de São Jorge em Quintino
As construções neogóticas em Cascadura e Piedade
As casas em Grajaú
Os cinemas art decó em Vicente de Carvalho e Ramos
A Fiocruz em Manguinhos
O Palácio tiradentes
O Palácio Capanema
O prédio da Santa Casa
A Academia brasileira de letras
A estrada Grajaú-jacarepaguá
A Pedra do Sal
O cais do Valongo

Tantas coisas, tantos Rios vividos

projeto

No fundo, bem lá no fundo, eu queria mesmo era viver numa sociedade sem dinheiro, sem consumo, sem essa necessidade toda de bens materiais. Não existiria celular, nem internet? Tudo bem, me adaptaria fácil. Uma sociedade sem ganância de poder. Mas como isso pode ser sonhar demais, uma social democracia já estava bom pra começar. O que não dá é uma vida que gira em torno de altos e baixos da bolsa e especulação financeira. (ponto final)

Nina

É difícil escrever alguma coisa assim de surpresa para quando alguém muito querido vai embora. Um embora para outros planos. Nesse domingo soube da notícia de que a querida Nina (para quem não sabe, uma amiga que trabalhava na casa dos meus familiares há praticamente 20 anos) e que me viu crescer, junto com minha irmã e primos lá em Gravatá, veio a falecer.
Nina me fez enxergar outras realidades da vida para além de um mundinho fechado de superproteção que eu nunca quis ter. Ela me fez sempre pensar na simplicidade da vida desde cedo, de que devemos ultrapassar as barreiras das diferenças sociais, de que todos carregamos uma história de vida, e que somos iguais: "ninguém é melhor que ninguém" (como já dizia). Nina acompanhou tantas fases minhas. De quando era o gordinho desengonçado, o menino fechado e tímido, o roqueiro querendo ser rebelde, aquele que foi depois ao Recife construir outras coisas, e que agora em fevereiro presenciou minha vinda definitiva ao Rio, quando a gente até conversou sobre como é viver numa cidade tão grande e longe de um mundo tão confortável, comunitário e "nosso" que é Gravatá.
Talvez para mim a ficha só venha a cair quando eu subir a minha serra, e vai ser muito estranho, e triste, não perceber mais a presença de uma pessoa tão querida e que fez e fará parte da minha vida por tantos e para tantos anos pela frente.
Descansa em paz, Nina. Que daqui, nunca vamos esquecer o seu carinho, e eu, a sua companhia e sorriso. Para mim, você era quase uma madrinha!

uma ilha

Hoje sonhei que morava numa ilha no Atlântico. Parecia Cabo Verde, porque todos falavam da Cesaria Évora e eu conhecia a Nancy Vieira (uma cantora mais contemporânea). E nessa ilha não tinha tristeza, nem frustrações ou medos. Tudo fluía de uma maneira muito espontânea e sem a necessidade de muitas teorias e normas. Todo dia era música. Serenidade. Livre vontade e respeito. Sentia dessas posturas de comunidade como quando criança na minha serra (onde não conhecia hipocrisia). As almas de todos eram sinceras e os abraços demorados. Da pólvora só se conhecia nos fogos de artifício. E ninguém precisava de indústrias. Cada dia o novo acontecia e relógio não tinha muito sentido. Irei buscar uma ilha assim pelos próximos anos? Quem dera! Por enquanto, posso por vezes tentar carrega-la no meu coração.

retorno - um sertanejo

Retorno
1985
Madrugada fria agreste
Dores e contorções
Dos Açores áridos
Vales rochosos sertanejos
Frio de altitudes e sangue
Borbulhas e Vida
Águas e espera
Mistérios do porvir
Um menino
Sertões e infinito
Da alma
Pernambuco
Ipojuca e Capibaribe
Nome de avô
Grego
Pulsar nervoso das veias
A imensidão da paisagem
Deserta e árida
O desejo de desterro
Raízes espalhadas
Ciganos e estradas
Rompendo as fronteiras
Brasil
Rio de Janeiro
2015
Um sertanejo

mais impressões cariocas (texto de 2015)

Logo mais já ta fazendo um ano que moro no Rio (passou tão rápido!) E eu queria compartilhar minhas impressões em pequenos tópicos.
1) para os desavisados o Rio não tem nada a ver com as novelas da Globo (ainda bem)
2)o meu lugar preferido (de longe) é o Centro (arquiteturas, prédios monumentais, movimento, diversidade, é uma mega síntese de Brasil urbano)
3) eu realmente acho que a zona norte é a minha cara (e eu acho mais aconchegante morar nela)
4) adoro a Glória e o Catete, ainda quero fazer umas séries de fotos das construções por lá
5) Santa Teresa me lembra Olinda só que bem mais alta
6) eu gosto do carioca porque ele é "safo". Não leva desaforo pra casa.
7) sou apaixonado pelas bibliotecas daqui. Todo historiador deveria conhecer
8) em toda esquina tem pizzaria e habibs é mais comum na zona norte
9) o trânsito do rio perde para o de Recife (sério)
10) as oscilações de clima aqui me deixam confuso, as vezes
11) muitas ruas e lugares tem o mesmo nome que lugares no Recife e mesmo em Gravatá (coisas de República)
12) aqui tem sempre gente e movimento na rua (pelo menos até meia noite) e eu adoro isso
13) vocês não sabem nada de funk até virem aqui e conhecerem o "roots"
14) não existe um sotaque carioca, existem variações dependendo onde você mora e com quem você anda
15) eu adoro os meus amigos daqui (e queria ter mais tempo pra eles, mas deixa passar essa dissertação, não vou voltar pra terrinha mesmo rs)
16) a violência que a mídia fala do Rio tem uma mega dose de sensacionalismo. Violência existe, mas infelizmente é um problema das grandes cidades brasileiras
17) eu acho a geografia daqui (baía, planície, montanhas) uma das mais bonitas no Brasil (que nem Recife rs)
18) eu ouvi falar que as melhores praias aqui são da Barra "pra lá". Não sei ainda porque não tomei banho de mar até hoje (mas deve ser verdade)
19) sou apaixonado por Petrópolis
20) o carioca é espiritualizado. Ele vai na igreja católica, no centro espírita, no terreiro, adora astrologia e tarot. E aqui é a cidade que mais tem igrejas e terreiros (adoro)
21) cerveja é a bebida mais consumida aqui. E não mate rs
22) todo mundo gosta de tapioca. Ficaria rico vendendo
23) tem muito nordestino, filho ou neto de famílias nordestinas aqui. Eu realmente acho que é o lugar que melhor recebe o nordeste.
24) a feira de São Cristóvão é um pedaço da minha visão do meu sertão, de gravatá
25) tem muito karaoke na cidade

sobre beleza


"Nada do que é vivo é rigidamente perfeito (...) em todas as coisas vivas há certas irregularidades ou certas falhas que não são apenas sinais de vida, mas fontes de beleza (...) banir a imperfeição é destruir o expressivo, paralisar a vitalidade"
Do livro: Ruskin et la religion de la beauté (1899 - tradução livre minha)

livros

Lembro que na casa da minha avó materna havia um armário de madeira velho e amarelado que guardava livros que minha mãe e tios tiveram durante a infância e adolescência enquanto estudantes. Hoje, como um historiador formado, percebo que se me deparasse com esse armário mais uma vez (que achava bastante interessante quando era criança e pré-adolescente), poderia fazer uma verdadeira história da leitura e da educação no Brasil nas décadas de 50-70, além de, a partir de um acervo tão diverso de dicionários e gramáticas de português, inglês e francês, livros de contos de fadas, romances do século XIX nacionais e estrangeiros, álbuns de imagens e almanaques, livros de história, ciências, geografia, cadernos e cadernos com anotações dos meus tios de suas aulas, poderia até construir uma narrativa de jovens no interior de Pernambuco naquele período. De seus sonhos, imaginações, expectativas. Talvez depois de terminado o meu mestrado teria bons objetos para me divertir nas escritas da minha profissão da História.

fight

Mais do que nunca (e as redes sociais tem me mostrado isso), percebo o quanto a História (enquanto disciplina) tem se mostrado importante. Seja na ação política e de transformação junto aos movimentos sociais (lgbt, raça e étnicos, periferias, países fora do centro, feministas, anti ou ressignificador do capitalismo, etc), nas revisões de uma historiografia antes posta como oficial e engessada, nas formas de se repensar a memória e como lidamos com o nosso passado, e até mesmo, percebo que hoje estamos mais atentos à complexidade do que seria a ideia de tempo! Não vejo mais aquele sentido de história monumental e arqueológico-antiquária que infelizmente percebia ainda na minha infância (apesar do século XX inteiro ter repensado esse artifício).
É tempo de sairmos das torres de Marfim acadêmicas e ganharmos o mundo, num mundo que se sonha desde a década de 1960 (e acho que já começo a ver bons resultados nisso), a despeito das falácias, a História ganha hoje as mesas de bar e as conversas de elevador.
Ou será que isso é fantasia da minha cabeça?

ainda antes do circo todo

As resistências dos sobrados que teimam em ficar de pé (mesmo em estado deplorável) nos centros das grandes cidades é semelhante ao que se percebe das esquerdas tradicionais brasileiras. Está na hora de sairmos desse estado de letargia. Não dá mais pra fazer política da forma que vem se processando, com alianças duvidosas, jogo de cadeiras nos ministérios e as grandes fortunas e empresas ditando as regras do jogo e sucateando os serviços públicos. Abre o olho, presidente! Tem cheiro podre de golpe no ar e isso me assusta. Olha, sinceramente? Eu to achando que o Congresso ta precisando de uma chacoalhada (movimentos à força mesmo), ta virando falácia o discurso de democracia. Eu estou começando a pensar que dentre as saídas estão os movimentos de desconstrução mesmo, bem nos moldes jacobinos, na violência, seja física ou simbólica. No parar o relógio, reverter o tempo. Derrubar os novos tronos. Descer o morro, inverter a pirâmide, expulsar do país cunhas e associados. E não me venham com história de impeachment, esse absurdo eu passo. Os alvos são os outros, ocultados por nossa mídia vendida. Posso não ser cientista político, aliás, está mais do que na hora da política sair da academia e ganhar as ruas!

saídas (outubro de 2015)

Há exato um ano, no dia do professor, larguei tudo em Pernambuco para tentar a sorte no Rio, vim só com passagem de ida e a esperança em ingressar num bom mestrado em História. Dos meus medos e expectativas de achar pós-graduação um bicho de sete cabeças acabei passando em duas seleções, depois de muito estudar e quebrar cabeça com a construção de um projeto. Já conhecia o Rio (de viagens anteriores e dos livros sobre a cidade nos séculos passados), mas essa cidade nunca deixou de me surpreender (e até hoje me surpreende), mesmo com todos os problemas que uma cidade grande brasileira oferece (não esqueçamos que já enfrentava problemas semelhantes no meu amado Recife). Mas os múltiplos Rios de Janeiros que encontro aqui são muito estimulantes, além dos amigos que já tinha e as novas amizades que construí aqui (e desculpa pelo sumiço, gente, eu vou tentar conciliar mais as exigências da dissertação e a saudade de vocês).
Não é que eu esnobe o meu Estado de origem, que amo e admiro muitos de seus cantos (Recife, Olinda, os sertões, minha Gravatá), mas desde que sai da casa dos meus pais aos 17 sabia que ia ganhar o mundo e que isso poderia significar estar mais distante das minhas raízes (precisava de novos ares e com toda gratidão e sabedoria espero que o Rio possa me oferecer muito ainda, e que eu possa também retribuir).

sonho

Hoje eu tive um sonho bastante curioso. Vivia num mundo com várias nações pequenas e semelhantes às sociedades ocidentais que conhecemos de dias atuais. Porém, muitas delas (inclusive a que eu vivia), estavam em guerra com suas vizinhas e ainda por cima escravizavam povos que se assemelhavam a indígenas ou latinoamericanos (na minha cabeça era como se fossem descendentes dos astecas). O curioso, é que descubro, nos fundos da casa de um parente, uma passagem escondida subterrânea que revelava toda uma sociedade fantástica, complexa e mergulhada numa fusão de alta ciência e magia. E essa sociedade era mantida pelos próprios escravizados, que quando estavam fora do período de trabalho forçado, se refugiavam nesse outro mundo subterrâneo, enquanto lá em cima, os outros guerreavam entre si quase apenas como por esporte.
Acordei pensando que mais do que nunca, esse outro mundo precisa emergir.

funk e brega

Eu ainda não entendo porque as pessoas falam tão mal de funk e de brega! Se tem dois mundos que tem as melhores bases de "miami bass" (funk) e os melhores samples, covers e versões de kraftwerk, madonna, e outras "bibliotecas" dos anos 80 (brega), sem contar as variações sonoras de um kitsch meio anos 70 norteamericano, e as misturas com vários elementos da música eletrônica. Além de ser a galera mais (do-it-yourself) que tem no Brasil (dos instrumentos aos locais de gravação). Tem coisa mais "punk" e mais anti institucionalizada da música que essa? (E não tô falando de Anitta e nem de Banda Uó, por favor! )

alma sertaneja

Posso dizer que a minha alma é sertaneja: vim de uma região no Nordeste chamada Agreste, que escapa às classificações geográficas e taxiológicas, das paisagens espontâneas, desordenadas, irregulares, dos acasos, surpresas, superstições, de posicionamentos e visões de mundo ainda mágicos, tudo com uma lógica circulante, de um vocabulário bastante inteligível aos que nasceram por lá, mas confuso para os metropolitanos (que bradam e se orgulham da razão, da exatidão científica, das proporções harmoniosas das formas). Talvez dessa alma sertaneja brotaram meus interesses que passam longe de ideais estéticos de perfeição e racionalizações da vida. Daí meu fascínio pelas periferias, pelas urbanizações "semeadoras", pelas favelas, pelo esquerdo (mesmo inserido no centro), pelas culturas não-ocidentais, pelo movimento punk, pelos cantores que se deixam desafinar, as músicas que desabrocham no momento (sem muita matemática), pela arquitetura irregular gótica, pela estética romântica, anti-clássica, na contramão dos corpos "michelangescos", pelo barroco, as vanguardas do século XX, a astrologia, as circulações de energias, o imprevisível, a "selvatiqueza" das formas, o "do-it-yourself" (ou "faça você mesmo"). Tudo isso é caro não só às minhas inclinações cosmopolitas, mas também dessa alma SERTANEJA.
Que 2016 seja uma ano assim pra mim: um ano Sertanejo!

Como nossos pais

Conversas entre pais sobre seus filhos, por vezes acaba sempre numa disputa de ego, quando um quer mostrar que "meu filho está muito bem sucedido aos 20 e poucos anos" e o seu? Já percebi que vez ou outra acontece isso com meus pais, com gente querendo se exibir demais pra eles. Posso não ser desembargador, nem médico de sucesso, nem militar, nem um empresário bem sucedido, mas faço o que realmente amo e sinto que estou no caminho certo (não pretendo acumular fortunas) e meus pais tem orgulho de mim sim! E eu, deles, que sempre me ensinaram coisas boas da vida e a respeitar as escolhas e histórias de cada um!

o homem vitruviano

O homem vitruviano destroi o diferente. Ridiculariza o imperfeito. Caçoa do espontâneo. O homem vitruviano estampa nossas capas. Entope nossa estética. Nos aprisiona na busca do perfeito. O homem vitruviano declara ser tudo questão de gosto. Apodrece nas clínicas e nas academias. Segrega. O homem vitruviano está em vias de desaparecer. Amem!

o homem de vitrúvio morreu

Muitos de meus contemporâneos nascidos na década de 1980 costumam dizer que essa "nova" geração pós anos 1990 anda muito fluida, desatenta, superficial. Pensando e observando bem, ouso dizer que aqueles de vinte e poucos até os dezenove-dezoito são bem subestimados! Por exemplo, nunca vi uma "geração" tão mais aberta às relativizações dos padrões de beleza! Enquanto muitos de meus colegas de década supervalorizam o corpo "ideal" do verão, conversando e observando os mais jovens vejo que essa "ditadura" ja não faz muito sentido! Deixo aqui meus aplausos pra "new generation" e mais um "cartão vermelho" pro homem de vitruvio!

nordestino

O termo "nordestino" muitas vezes circunscreve um determinado grupo de pessoas que estão fora daquela região geográfica. "Nordestinos" são as empregadas domésticas, os migrantes nas favelas, os vendedores de queijo coalho, os porteiros, as caixas de supermercado, os de traços menos europeizados.
Muita gente se incomoda com essas denominações (já que podem carregar ideias pejorativas), eu me incomodava também quando ouvia, mas hoje eu vejo a importância política de abraçar esses termos. Já teve gente que veio me falar "ah, mas quando você ouvir alguém falando isso de maneira excludente, mostre seu exemplo e de outros, que são acadêmicos, artistas, famosos lá fora". Mas não acredito que esse seja o melhor caminho.
Eu sei também que Nordeste é uma construção (histórica-social), e sei que discursos identitários podem ser perigosos, mas nos casos de exclusão diante do outro, acho importante serem tomados. Pois eu sou nordestino sim! (mesmo com todas as diferenças de seus estados, suas microrregiões, suas cidades), e me junto a todos os outros nordestinos (do resto do Brasil) sejam professores, empregadas domésticas, porteiros, artistas. Todos aqueles que se arriscam da maneira que for em lugares diferentes de seus sotaques. E eu nunca estou sozinho!

Lima Barreto

No início do século XX havia uma necessidade por parte dos governantes da capital brasileira, então Rio de Janeiro, em transformar a cidade nos moldes urbanistas franceses então em voga. Para além de um anseio estético, a carga política e social dessas transformações eram flagrantes. Inspirada na capital "branca-europeia" de Buenos Aires, por exemplo, a Avenida Central seria o monumento da "civilização" e do "progresso" na capital brasileira.
Lima Barreto sabiamente observa em 1915 a incongruência desse projeto, que escondia mais um interesse em "europeizar" a cidade (e excluir tudo e todos aqueles que não se encaixavam nesses padrões). Ironicamente argumenta:
"A obsessão por Buenos Aires sempre perturbou nosso juízo sobre as coisas. A grande cidade da Plata tem um milhão de habitantes; a capital argentina tem longas estradas retilíneas; a capital argentina não tem negros; portanto, meus senhores, o Rio de Janeiro, cheio de montanhas, deve ter estradas retilíneas; o Rio de Janeiro, em um país que tem outras três ou quatro grandes cidades, deve ter um milhão de habitantes; o Rio de Janeiro, a capital de um país que recebeu, em quase três séculos, milhares de negros, não deve ter negros."