A Existência Histórica de Jesus - Diomedes Neto
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Representação bizantina de Cristo numa parede da Igreja de Hagia Sophia - Istambul |
Personagem polêmico, constituinte divindade de uma série de religiões e seitas que tomaram proporções assombrosas em todo o planeta, a representação do Cristo em sua condição divina, pautada nos dogmas do cristianismo, deve ser incontestável dentro das instituições que o estandardizam. Para os fiéis cristãos, a Bíblia (mais precisamente o Novo Testamento), documento escrito por seus discípulos e alguns seguidores posteriores de Jesus, é prova legítima da natureza do “Filho de Deus”, que se sacrificou para salvar toda a humanidade do pecado original. Na ótica das igrejas cristãs (católicas ou “evangélicas”), os milagres, ensinamentos e fatos narrados neste livro sagrado, devem ser tomados como verdades imbuídas de fé neste Salvador.
Mas, e sua condição de sujeito da história? Observada a partir de uma análise crítica e despojada desta fé inabalável, no que diz respeito à sua existência? Diversas pesquisas realizadas tanto por cientistas céticos, quanto religiosos e “neutros”, buscaram re-afirmar ou refutar a figura de Jesus na história, e muitos foram os escritos gerados desses estudos. Para responder essa pergunta inicial, foram pesquisados autores que apresentavam visões discrepantes quanto à natureza humana de Jesus, numa determinada época na região da Palestina.
O famoso livro “E a Bíblia Tinha Razão” publicado em 1955 por Werner Keller, fora um dos consultados. O autor valeu-se das referências bíblicas do Novo Testamento, intercalando com estudos nos campos da arqueologia, astronomia e até botânica, para provar as passagens do Cristo na Terra. Algumas matérias jornalísticas de canais como G1, Terra, Superinteressante, também abordaram fatos e evidências que comprovam ou refutam a existência de Jesus, enquanto sujeito da história. Na procura de outras visões, foram analisados determinados artigos (de natureza duvidosa), em sua grande maioria, escritos por ateus com posturas radicais; algumas reportagens, e uma das partes do famoso documentário Zeitgeist, que desconstrói toda a natureza de Jesus como humano e divindade. Em relação a esta última fonte, cabe citar a leitura de um artigo intitulado “Osíris e Hórus: Protótipos do Jesus da Fé?” escrito por um pastor e jornalista, com o intuito de desmistificar as mensagens transmitidas no documentário e reafirmar a condição de fé na Bíblia como testemunho da verdade.
A partir de um diálogo entre todas essas fontes, este breve “ensaio” buscará atingir um consenso que possa oferecer alguma resposta plausível à pergunta elencada a
priori, despida de qualquer ideologia, expondo apenas uma perspectiva e crítica da condição histórica de Jesus Cristo.
priori, despida de qualquer ideologia, expondo apenas uma perspectiva e crítica da condição histórica de Jesus Cristo.
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Imagem de Cristo e os Fariseus - Catedral de Canterbury |
O livro de Keller (1955), carregado de pesquisas no campo das ciências naturais, apresenta uma possível existência deste personagem; porém questiona algumas convenções adotadas pelo cristianismo enquanto religião, a respeito de determinados fatos vivenciados pelo “nazareno”. A obra também reconhece a dificuldade de encontrar vestígios arqueológicos que remetessem a Jesus e seus companheiros, tomando como fonte principal o Novo Testamento, livro passível de diferentes interpretações e possíveis manipulações dos fatos por seus autores.
Quanto à dificuldade de se encontrar vestígios deste período, uma matéria da Superinteressante (2008), aponta a falta, inclusive, de escritos do próprio Jesus, onde as narrativas que se conhece atualmente foram escritas por seus seguidores anos após sua morte. De acordo com alguns pesquisadores, no entanto, essa escassez de vestígios seria um resultado da condição humilde desses personagens, sendo a maioria, também analfabeta.
O impasse percebido neste contexto diz respeito à maneira como foram escritas essas narrativas bíblicas, carregadas, possivelmente, de afirmações fantasiosas, mergulhadas numa fé inabalável na figura divina do Cristo, a fugir dos fatos históricos em si.
Ainda sobre esta matéria, fora abordado o desinteresse nos registros de Jesus por alguns destes autores (no caso, autores não cristãos, como o judeu Flávio Josefo e os historiadores romanos: Tácito e Suetônio), que não relatavam mais que um parágrafo sobre o nazareno, apresentado como um profeta que incomodara autoridades judaicas e fora crucificado em meados do ano 30 d.c na administração romana de Pôncio Pilatos. Nesta perspectiva, a importância de Jesus só ganharia voz após a expansão e oficialização do cristianismo no Império Romano, estando passível, então, ao estabelecimento de dogmas que fortaleciam a sua figura enquanto divindade.
Retornando ao livro de Keller, este critica um fato curioso proveniente do imaginário judeu sobre a origem de Jesus. A partir de uma concepção anticristã, o pesquisador Houston Stewart Chamberlain apresenta referências distorcidas sobre Cristo no livro do Talmude judaico, que o expõe como filho de uma mulher adúltera, que traíra o marido carpinteiro com um legionário romano e teria dado a luz, então, a este personagem controverso. Essa história serviria para rejeitar a origem judaica de Jesus e a natureza de virgem de sua mãe, Maria.
Outro estudo interessante, presente nesta obra, é acerca da data de nascimento de Jesus, sendo pesquisada com base nos relatos do censo romano realizado naquela província do Oriente, e nas narrativas da “Estrela de Belém” e os reis magos, valendo-se de estudos da astrologia efetuados desde o famoso Kepler (1571-1630). Neste último ponto, as pesquisas apontam de fato, uma aproximação de Júpiter e Saturno em conjunção com a constelação de peixes por volta do ano 7 a.C. e visível no Mediterrâneo, correspondendo ao fenômeno da famosa estrela que “guiaria” os reis magos; estes, na verdade judeus vivendo na Babilônia e conhecedores das simbologias do judaísmo que atestava a constelação de Peixes como representativa do início de uma nova era (a era do Messias).
Além deste quesito da astronomia/astrologia, determinados fatos e datas históricas, análogas ao nascimento de Cristo, não casam com os relatos da Bíblia, recuando para “trás” do ano zero, a sua origem. A resumir, o ano de nascimento de Jesus ficaria ainda incerto e presente entre os anos 7 a.C (conjunção dos planetas) e 7 d.C (referência do censo romano realizado na Judéia).
Outros pontos da Bíblia também são questionados por Keller, sem necessariamente rejeitar a condição de Jesus, a exemplo da fuga para o Egito, não existindo nenhum vestígio que comprove esse acontecimento, que supostamente fora construído numa analogia à figura bíblica de Moisés.
No que tange ao julgamento e crucificação de Jesus, estudos comprovam os lugares e participantes deste processo narrado no “livro sagrado”, além de apresentar uma razão interessante que teria levado Cristo a esta sorte. Na época da ocupação romana em Israel, os judeus esperavam num messias, uma figura que os libertassem politicamente daquele julgo; como este suposto “messias” não atingira as expectativas daquele povo, fora logo tomado por impostor e deveria pagar com a condenação.
É importante salientar, que todos esses fatos encontram um seguro registro unicamente no Novo Testamento; tendo novos escritos sobre este homem surgidos anos após sua morte. Keller destaca a obra “Antiguidades judaicas” produzida nos últimos anos do século I d.C, referindo-se a comunidades cristãs. Como já exposto acima, o historiador “pagão”, Tácito menciona nos Anais da época, o julgamento de Cristo no governo de Pilatos.
Outra narrativa de interesse é a de Suetônio, que descreve movimentos messiânicos em Roma no período do Imperador Cláudio (41 à 54 d.C). No entanto, diante da escassez de fontes extra-bíblicas sobre as origens de Jesus, não se pode afirmar uma relação exata desses grupos com a figura de Cristo. Keller ainda reforça que mesmo diante destas miopias, comunidades cristãs já se encontravam estabelecidas em Roma, fundadas em valores do Novo Testamento, em tempos do governo de Nero (54-68 d.C), iniciando suas perseguições.
Para finalizar com suas discussões nesta obra, um suposto vestígio dos tempos de Cristo, encontrado durante as cruzadas em Constantinopla no ano de 1204, gerou controvérsias. Tratava-se de um pano envoltório de um cadáver humano, apontado como sendo do “filho de Deus” e apelidado mais tarde como “O sudário de Turim”, para onde fora levado.
Quanto à dificuldade de se encontrar vestígios deste período, uma matéria da Superinteressante (2008), aponta a falta, inclusive, de escritos do próprio Jesus, onde as narrativas que se conhece atualmente foram escritas por seus seguidores anos após sua morte. De acordo com alguns pesquisadores, no entanto, essa escassez de vestígios seria um resultado da condição humilde desses personagens, sendo a maioria, também analfabeta.
O impasse percebido neste contexto diz respeito à maneira como foram escritas essas narrativas bíblicas, carregadas, possivelmente, de afirmações fantasiosas, mergulhadas numa fé inabalável na figura divina do Cristo, a fugir dos fatos históricos em si.
Ainda sobre esta matéria, fora abordado o desinteresse nos registros de Jesus por alguns destes autores (no caso, autores não cristãos, como o judeu Flávio Josefo e os historiadores romanos: Tácito e Suetônio), que não relatavam mais que um parágrafo sobre o nazareno, apresentado como um profeta que incomodara autoridades judaicas e fora crucificado em meados do ano 30 d.c na administração romana de Pôncio Pilatos. Nesta perspectiva, a importância de Jesus só ganharia voz após a expansão e oficialização do cristianismo no Império Romano, estando passível, então, ao estabelecimento de dogmas que fortaleciam a sua figura enquanto divindade.
Retornando ao livro de Keller, este critica um fato curioso proveniente do imaginário judeu sobre a origem de Jesus. A partir de uma concepção anticristã, o pesquisador Houston Stewart Chamberlain apresenta referências distorcidas sobre Cristo no livro do Talmude judaico, que o expõe como filho de uma mulher adúltera, que traíra o marido carpinteiro com um legionário romano e teria dado a luz, então, a este personagem controverso. Essa história serviria para rejeitar a origem judaica de Jesus e a natureza de virgem de sua mãe, Maria.
Outro estudo interessante, presente nesta obra, é acerca da data de nascimento de Jesus, sendo pesquisada com base nos relatos do censo romano realizado naquela província do Oriente, e nas narrativas da “Estrela de Belém” e os reis magos, valendo-se de estudos da astrologia efetuados desde o famoso Kepler (1571-1630). Neste último ponto, as pesquisas apontam de fato, uma aproximação de Júpiter e Saturno em conjunção com a constelação de peixes por volta do ano 7 a.C. e visível no Mediterrâneo, correspondendo ao fenômeno da famosa estrela que “guiaria” os reis magos; estes, na verdade judeus vivendo na Babilônia e conhecedores das simbologias do judaísmo que atestava a constelação de Peixes como representativa do início de uma nova era (a era do Messias).
Além deste quesito da astronomia/astrologia, determinados fatos e datas históricas, análogas ao nascimento de Cristo, não casam com os relatos da Bíblia, recuando para “trás” do ano zero, a sua origem. A resumir, o ano de nascimento de Jesus ficaria ainda incerto e presente entre os anos 7 a.C (conjunção dos planetas) e 7 d.C (referência do censo romano realizado na Judéia).
Outros pontos da Bíblia também são questionados por Keller, sem necessariamente rejeitar a condição de Jesus, a exemplo da fuga para o Egito, não existindo nenhum vestígio que comprove esse acontecimento, que supostamente fora construído numa analogia à figura bíblica de Moisés.
No que tange ao julgamento e crucificação de Jesus, estudos comprovam os lugares e participantes deste processo narrado no “livro sagrado”, além de apresentar uma razão interessante que teria levado Cristo a esta sorte. Na época da ocupação romana em Israel, os judeus esperavam num messias, uma figura que os libertassem politicamente daquele julgo; como este suposto “messias” não atingira as expectativas daquele povo, fora logo tomado por impostor e deveria pagar com a condenação.
É importante salientar, que todos esses fatos encontram um seguro registro unicamente no Novo Testamento; tendo novos escritos sobre este homem surgidos anos após sua morte. Keller destaca a obra “Antiguidades judaicas” produzida nos últimos anos do século I d.C, referindo-se a comunidades cristãs. Como já exposto acima, o historiador “pagão”, Tácito menciona nos Anais da época, o julgamento de Cristo no governo de Pilatos.
Outra narrativa de interesse é a de Suetônio, que descreve movimentos messiânicos em Roma no período do Imperador Cláudio (41 à 54 d.C). No entanto, diante da escassez de fontes extra-bíblicas sobre as origens de Jesus, não se pode afirmar uma relação exata desses grupos com a figura de Cristo. Keller ainda reforça que mesmo diante destas miopias, comunidades cristãs já se encontravam estabelecidas em Roma, fundadas em valores do Novo Testamento, em tempos do governo de Nero (54-68 d.C), iniciando suas perseguições.
Para finalizar com suas discussões nesta obra, um suposto vestígio dos tempos de Cristo, encontrado durante as cruzadas em Constantinopla no ano de 1204, gerou controvérsias. Tratava-se de um pano envoltório de um cadáver humano, apontado como sendo do “filho de Deus” e apelidado mais tarde como “O sudário de Turim”, para onde fora levado.
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Sudario de Turim |
Keller expõe uma série de estudos que foram realizados a fim de legitimar a sua natureza, concluída, a princípio, como duvidosa. Graças à tecnologia fotográfica dos fins do século XIX, aquilo que havia sido considerado obra de um artista plástico, é constatado como de fato, um artefato funerário; e seus sucessivos testes tenderam a uma crença de ter sido o “Santo Sudário”, prevalecendo essa idéia por mais algumas décadas. Porém, anos mais tarde, o desenvolvimento das técnicas de datação derruba o mito do sudário, acusando-o de possuir apenas 700 anos.
Num outro momento, partindo para o documentário “Zeitgeist” a dialogar com o artigo crítico do pesquisador religioso, pode-se imprimir outro panorama sobre a natureza de Jesus, sob uma ótica muito mais cética e nula de sua existência, inclusive, enquanto divindade.
O documentário apresenta a figura de Cristo como sendo uma construção a partir de mitos de deuses pertencentes a outras religiões (neste caso, principalmente aos cultos egípcios na antiguidade), construção essa com o intuito de estabelecer uma ideologia dominante, por intermédio das instituições cristãs.
O Cristo, neste ponto de vista, foi desenhado a partir das narrativas atribuídas aos deuses egípcios Hórus e Osíris (lembrando que esta perspectiva do documentário fora baseada nos estudos do egiptólogo Gerald Massey – 1828/1907). Para o especialista, elementos como a ressurreição e juízo final, presentes no universo egípcio, seriam retomados na ética cristã, constituindo a ideia divina de Jesus.
As narrativas de Osíris, desenroladas no sentido morte-ressurreição, esta última sob uma perspectiva de salvação, encontram seus pares no cristianismo, apesar das críticas expostas por estudiosos cristãos, que atestam uma atual fragmentação dos arquivos e contos da mitologia e sociedade egípcia.
Já no mito do deus Hórus, os estudos apontam uma relação no que tange a sua condição de filho (analogia a Jesus) e a relação com sua mãe, a deusa Ísis (a figura materna de Maria). O documentário expressa claramente a influência desta iconografia na concepção das primeiras Madonas cristãs. Essa condição de um quase sincretismo religioso, fora muito comum nos primeiros séculos de expansão da fé cristã, que assimilava elemento das religiões “pagãs” como uma forma de aceitação da nova doutrina.
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Representação egípcia do deus Horus |
O problema, percebido no artigo analisado sobre Zeitgeist, é o de uma sobreposição de dogmas e ideologias do autor em questão numa vertente do cristianismo, que contesta os valores adotados do catolicismo, numa auto-legitimação de verdadeiros “salvadores” do cristianismo mais primitivo, centrado unicamente no Novo Testamento, que seria tomado como fonte de todas as verdades. Nesta perspectiva, elementos como a divinização da figura de Maria e a representação de imagens (influenciadas por religiões outras), são considerados contrários à ética cristã do livro sagrado.
Elementos também interessantes a serem tratados seriam as descobertas de possíveis vestígios arqueológicos que reforçariam a existência do “nazareno”. Em 2002, um ossuário com inscritos referentes a Cristo e ao apóstolo Tiago foi encontrado em Israel, com datações próximas ao possível período de suas vidas. Séculos anteriores, mais de um “Graal” (cálice sagrado) era anunciado em posse de Igrejas na Europa. No entanto, estudos comprovaram fraudes e manipulações desses achados, bem nos moldes das famosas “relíquias” vendidas e relatadas nas crônicas medievais.
Diante de tantos debates e argumentos contraditórios, percebe-se que fontes cristãs, judaicas e mesmo “pagãs” citam um personagem Jesus, ao mesmo tempo em que elementos mitológicos de crenças outras se mesclam às narrativas e simbologias do Cristo, ao longo da expansão de sua fé e instituição criada a posteriori. A partir deste panorama, não se poderia negar a existência histórica de Jesus, que mesmo diante de poucas fontes e vestígios, os próprios evangelhos e cartas do Novo Testamento possuem uma distância temporal mínima do seu período de vida, e podem possuir, obviamente, referências concretas deste personagem (apesar de sua fácil passividade a interpretações e desvios). Chega-se num momento em que o questionável vai além de sua natureza humana (enquanto ser histórico) e perpassa por sua condição divina, o que resultaria num outro debate ainda mais exaustivo e ferrenho em ambas defesas.