sábado, abril 30, 2011

A existência histórica de Jesus

A Existência Histórica de Jesus - Diomedes Neto
 
Representação bizantina de Cristo numa parede da Igreja de Hagia Sophia - Istambul

Personagem polêmico, constituinte divindade de uma série de religiões e seitas que tomaram proporções assombrosas em todo o planeta, a representação do Cristo em sua condição divina, pautada nos dogmas do cristianismo, deve ser incontestável dentro das instituições que o estandardizam. Para os fiéis cristãos, a Bíblia (mais precisamente o Novo Testamento), documento escrito por seus discípulos e alguns seguidores posteriores de Jesus, é prova legítima da natureza do “Filho de Deus”, que se sacrificou para salvar toda a humanidade do pecado original. Na ótica das igrejas cristãs (católicas ou “evangélicas”), os milagres, ensinamentos e fatos narrados neste livro sagrado, devem ser tomados como verdades imbuídas de fé neste Salvador.
 
Mas, e sua condição de sujeito da história? Observada a partir de uma análise crítica e despojada desta fé inabalável, no que diz respeito à sua existência? Diversas pesquisas realizadas tanto por cientistas céticos, quanto religiosos e “neutros”, buscaram re-afirmar ou refutar a figura de Jesus na história, e muitos foram os escritos gerados desses estudos. Para responder essa pergunta inicial, foram pesquisados autores que apresentavam visões discrepantes quanto à natureza humana de Jesus, numa determinada época na região da Palestina.
 
O famoso livro “E a Bíblia Tinha Razão” publicado em 1955 por Werner Keller, fora um dos consultados. O autor valeu-se das referências bíblicas do Novo Testamento, intercalando com estudos nos campos da arqueologia, astronomia e até botânica, para provar as passagens do Cristo na Terra. Algumas matérias jornalísticas de canais como G1, Terra, Superinteressante, também abordaram fatos e evidências que comprovam ou refutam a existência de Jesus, enquanto sujeito da história. Na procura de outras visões, foram analisados determinados artigos (de natureza duvidosa), em sua grande maioria, escritos por ateus com posturas radicais; algumas reportagens, e uma das partes do famoso documentário Zeitgeist, que desconstrói toda a natureza de Jesus como humano e divindade. Em relação a esta última fonte, cabe citar a leitura de um artigo intitulado “Osíris e Hórus: Protótipos do Jesus da Fé?” escrito por um pastor e jornalista, com o intuito de desmistificar as mensagens transmitidas no documentário e reafirmar a condição de fé na Bíblia como testemunho da verdade.
 
A partir de um diálogo entre todas essas fontes, este breve “ensaio” buscará atingir um consenso que possa oferecer alguma resposta plausível à pergunta elencada a
priori, despida de qualquer ideologia, expondo apenas uma perspectiva e crítica da condição histórica de Jesus Cristo.
 
Imagem de Cristo e os Fariseus - Catedral de Canterbury
O livro de Keller (1955), carregado de pesquisas no campo das ciências naturais, apresenta uma possível existência deste personagem; porém questiona algumas convenções adotadas pelo cristianismo enquanto religião, a respeito de determinados fatos vivenciados pelo “nazareno”. A obra também reconhece a dificuldade de encontrar vestígios arqueológicos que remetessem a Jesus e seus companheiros, tomando como fonte principal o Novo Testamento, livro passível de diferentes interpretações e possíveis manipulações dos fatos por seus autores.

Quanto à dificuldade de se encontrar vestígios deste período, uma matéria da Superinteressante (2008), aponta a falta, inclusive, de escritos do próprio Jesus, onde as narrativas que se conhece atualmente foram escritas por seus seguidores anos após sua morte. De acordo com alguns pesquisadores, no entanto, essa escassez de vestígios seria um resultado da condição humilde desses personagens, sendo a maioria, também analfabeta.

O impasse percebido neste contexto diz respeito à maneira como foram escritas essas narrativas bíblicas, carregadas, possivelmente, de afirmações fantasiosas, mergulhadas numa fé inabalável na figura divina do Cristo, a fugir dos fatos históricos em si.

Ainda sobre esta matéria, fora abordado o desinteresse nos registros de Jesus por alguns destes autores (no caso, autores não cristãos, como o judeu Flávio Josefo e os historiadores romanos: Tácito e Suetônio), que não relatavam mais que um parágrafo sobre o nazareno, apresentado como um profeta que incomodara autoridades judaicas e fora crucificado em meados do ano 30 d.c na administração romana de Pôncio Pilatos. Nesta perspectiva, a importância de Jesus só ganharia voz após a expansão e oficialização do cristianismo no Império Romano, estando passível, então, ao estabelecimento de dogmas que fortaleciam a sua figura enquanto divindade.

Retornando ao livro de Keller, este critica um fato curioso proveniente do imaginário judeu sobre a origem de Jesus. A partir de uma concepção anticristã, o pesquisador Houston Stewart Chamberlain apresenta referências distorcidas sobre Cristo no livro do Talmude judaico, que o expõe como filho de uma mulher adúltera, que traíra o marido carpinteiro com um legionário romano e teria dado a luz, então, a este personagem controverso. Essa história serviria para rejeitar a origem judaica de Jesus e a natureza de virgem de sua mãe, Maria.

Outro estudo interessante, presente nesta obra, é acerca da data de nascimento de Jesus, sendo pesquisada com base nos relatos do censo romano realizado naquela província do Oriente, e nas narrativas da “Estrela de Belém” e os reis magos, valendo-se de estudos da astrologia efetuados desde o famoso Kepler (1571-1630). Neste último ponto, as pesquisas apontam de fato, uma aproximação de Júpiter e Saturno em conjunção com a constelação de peixes por volta do ano 7 a.C. e visível no Mediterrâneo, correspondendo ao fenômeno da famosa estrela que “guiaria” os reis magos; estes, na verdade judeus vivendo na Babilônia e conhecedores das simbologias do judaísmo que atestava a constelação de Peixes como representativa do início de uma nova era (a era do Messias).

Além deste quesito da astronomia/astrologia, determinados fatos e datas históricas, análogas ao nascimento de Cristo, não casam com os relatos da Bíblia, recuando para “trás” do ano zero, a sua origem. A resumir, o ano de nascimento de Jesus ficaria ainda incerto e presente entre os anos 7 a.C (conjunção dos planetas) e 7 d.C (referência do censo romano realizado na Judéia).

Outros pontos da Bíblia também são questionados por Keller, sem necessariamente rejeitar a condição de Jesus, a exemplo da fuga para o Egito, não existindo nenhum vestígio que comprove esse acontecimento, que supostamente fora construído numa analogia à figura bíblica de Moisés.

No que tange ao julgamento e crucificação de Jesus, estudos comprovam os lugares e participantes deste processo narrado no “livro sagrado”, além de apresentar uma razão interessante que teria levado Cristo a esta sorte. Na época da ocupação romana em Israel, os judeus esperavam num messias, uma figura que os libertassem politicamente daquele julgo; como este suposto “messias” não atingira as expectativas daquele povo, fora logo tomado por impostor e deveria pagar com a condenação.

É importante salientar, que todos esses fatos encontram um seguro registro unicamente no Novo Testamento; tendo novos escritos sobre este homem surgidos anos após sua morte. Keller destaca a obra “Antiguidades judaicas” produzida nos últimos anos do século I d.C, referindo-se a comunidades cristãs. Como já exposto acima, o historiador “pagão”, Tácito menciona nos Anais da época, o julgamento de Cristo no governo de Pilatos.

Outra narrativa de interesse é a de Suetônio, que descreve movimentos messiânicos em Roma no período do Imperador Cláudio (41 à 54 d.C). No entanto, diante da escassez de fontes extra-bíblicas sobre as origens de Jesus, não se pode afirmar uma relação exata desses grupos com a figura de Cristo. Keller ainda reforça que mesmo diante destas miopias, comunidades cristãs já se encontravam estabelecidas em Roma, fundadas em valores do Novo Testamento, em tempos do governo de Nero (54-68 d.C), iniciando suas perseguições.

Para finalizar com suas discussões nesta obra, um suposto vestígio dos tempos de Cristo, encontrado durante as cruzadas em Constantinopla no ano de 1204, gerou controvérsias. Tratava-se de um pano envoltório de um cadáver humano, apontado como sendo do “filho de Deus” e apelidado mais tarde como “O sudário de Turim”, para onde fora levado.
Sudario de Turim



Keller expõe uma série de estudos que foram realizados a fim de legitimar a sua natureza, concluída, a princípio, como duvidosa. Graças à tecnologia fotográfica dos fins do século XIX, aquilo que havia sido considerado obra de um artista plástico, é constatado como de fato, um artefato funerário; e seus sucessivos testes tenderam a uma crença de ter sido o “Santo Sudário”, prevalecendo essa idéia por mais algumas décadas. Porém, anos mais tarde, o desenvolvimento das técnicas de datação derruba o mito do sudário, acusando-o de possuir apenas 700 anos.

Num outro momento, partindo para o documentário “Zeitgeist” a dialogar com o artigo crítico do pesquisador religioso, pode-se imprimir outro panorama sobre a natureza de Jesus, sob uma ótica muito mais cética e nula de sua existência, inclusive, enquanto divindade.

O documentário apresenta a figura de Cristo como sendo uma construção a partir de mitos de deuses pertencentes a outras religiões (neste caso, principalmente aos cultos egípcios na antiguidade), construção essa com o intuito de estabelecer uma ideologia dominante, por intermédio das instituições cristãs.

O Cristo, neste ponto de vista, foi desenhado a partir das narrativas atribuídas aos deuses egípcios Hórus e Osíris (lembrando que esta perspectiva do documentário fora baseada nos estudos do egiptólogo Gerald Massey – 1828/1907). Para o especialista, elementos como a ressurreição e juízo final, presentes no universo egípcio, seriam retomados na ética cristã, constituindo a ideia divina de Jesus.

As narrativas de Osíris, desenroladas no sentido morte-ressurreição, esta última sob uma perspectiva de salvação, encontram seus pares no cristianismo, apesar das críticas expostas por estudiosos cristãos, que atestam uma atual fragmentação dos arquivos e contos da mitologia e sociedade egípcia.

Já no mito do deus Hórus, os estudos apontam uma relação no que tange a sua condição de filho (analogia a Jesus) e a relação com sua mãe, a deusa Ísis (a figura materna de Maria). O documentário expressa claramente a influência desta iconografia na concepção das primeiras Madonas cristãs. Essa condição de um quase sincretismo religioso, fora muito comum nos primeiros séculos de expansão da fé cristã, que assimilava elemento das religiões “pagãs” como uma forma de aceitação da nova doutrina.
Representação egípcia do deus Horus



O problema, percebido no artigo analisado sobre Zeitgeist, é o de uma sobreposição de dogmas e ideologias do autor em questão numa vertente do cristianismo, que contesta os valores adotados do catolicismo, numa auto-legitimação de verdadeiros “salvadores” do cristianismo mais primitivo, centrado unicamente no Novo Testamento, que seria tomado como fonte de todas as verdades. Nesta perspectiva, elementos como a divinização da figura de Maria e a representação de imagens (influenciadas por religiões outras), são considerados contrários à ética cristã do livro sagrado.

Elementos também interessantes a serem tratados seriam as descobertas de possíveis vestígios arqueológicos que reforçariam a existência do “nazareno”. Em 2002, um ossuário com inscritos referentes a Cristo e ao apóstolo Tiago foi encontrado em Israel, com datações próximas ao possível período de suas vidas. Séculos anteriores, mais de um “Graal” (cálice sagrado) era anunciado em posse de Igrejas na Europa. No entanto, estudos comprovaram fraudes e manipulações desses achados, bem nos moldes das famosas “relíquias” vendidas e relatadas nas crônicas medievais.

Diante de tantos debates e argumentos contraditórios, percebe-se que fontes cristãs, judaicas e mesmo “pagãs” citam um personagem Jesus, ao mesmo tempo em que elementos mitológicos de crenças outras se mesclam às narrativas e simbologias do Cristo, ao longo da expansão de sua fé e instituição criada a posteriori. A partir deste panorama, não se poderia negar a existência histórica de Jesus, que mesmo diante de poucas fontes e vestígios, os próprios evangelhos e cartas do Novo Testamento possuem uma distância temporal mínima do seu período de vida, e podem possuir, obviamente, referências concretas deste personagem (apesar de sua fácil passividade a interpretações e desvios). Chega-se num momento em que o questionável vai além de sua natureza humana (enquanto ser histórico) e perpassa por sua condição divina, o que resultaria num outro debate ainda mais exaustivo e ferrenho em ambas defesas.

domingo, abril 24, 2011

a big thought

Esses dias na serra, carregado de canções bem temperadas ao folk, eu viajava,  em casa, ao interior dos meus territórios; tudo isso alternado pelos momentos de euforia e celebrações com amigos. E nessas interseções, acabava deslizando conversas a respeito dos meus sentimentos e expectativas, dos medos e previsões, das crenças e esperas. E como percebi bons ouvidos e mentes! Recebiam minhas mensagens sem tomarem como um fardo, pois as palavras fluíam do coração, e encontravam um terreno seguro de identificação e compartilhamentos. E as tardes corriam rápidas, de momentos felizes, sem tempo para lamentos, seguidas da noite que já trazia mais festas e risos. E nas voltas para casa, ainda no esconder do sol, pisando sob as ruas de pedras, um vento nem tão frio soprava na minha nuca, e aquela sensação de nostalgia sempre me tomava, de uma vida tranquila, quase rural, e de muita infância. E o galo cantava, os pássaros acordavam, e com os raios se espalhando no céu, sabia que ali, naquela hora, uma beleza havia me vestido por completo, e que apenas eu poderia perceber isso, e permitir se ela teria que permanecer ou escapar da minha pele, depois que acordasse cansado no dia seguinte.

quinta-feira, abril 21, 2011

a small letter


Queria que você soubesse que os pensamentos, enquanto múltiplos de cores e ao meu alcance, sempre irão apontar direções para esses mesmos espaços, para as armações de concreto e as árvores esparsas e as tantas lojas de quinquilharias e departamentos. E a prudência, como uma crisálida, saberá bem tecer os fios do tempo, tão efêmeros e frágeis, mesmo sabendo que baixas acontecerão por conta das chuvas vindas doutros ventos. Mas não me declaro vencido, salvo na condição no que tange a essa expectativa da mariposa a romper o fardo do aguardo. Queria que você apenas confiasse nisso.

quarta-feira, abril 20, 2011

good winter for folk songs


Essa semana, a cidade está cinza. Massas de ar frio, há dias, repousaram nesses céus, e relaxam suas gotas sobre os prédios e asfaltos. A temperatura experimenta uns graus menores. Seria um inverno nos moldes tropical chegando. Um contexto perfeito para ser associado a uma boa trilha sonora, fator esse que sempre faço questão de selecionar com certa estratégia, ao sair pelas ruas. Ultimamente tenho mergulhado nos artistas e gêneros o qual são etiquetados como folk (uma variante forçosa do termo folklore: "a música transmitida oralmente, das classes privadas de sorte, longe dos ditames das peças clássicas e comerciais"), hoje, considerado um estilo peculiar de compositores, a buscar influências nas raízes dos campos anglo-saxões ou das montanhas norte-americanas, com bases na cultura do country, blues e bluegrass, e umas pitadas aqui e ali de temperinhos "electriques". Pianos, banjos, muitos violões e violas, guitarras esparsas, violinos, cellos, e até harpas e auto-harpas, ou mesmo ousadias com cravos povoam as sonoridades e arranjos.O canto e letras remontam por vezes aos trovadores medievais, que narravam musicalmente crônicas do cotidiano dos burgos e feudos. E a natureza desses contemporâneos? Por vezes, universitários ou desiludidos, residentes do Brooklyn ou de cidadezinhas inglesas, que inspirados pela literatura, filosofia e história, construíram seus versos. Esse "novo folk" nada mais é que uma re-apropriação de uma vertente já sacramentada por personagens como Bob Dylan, Vashti Bunyan e Joni Mitchell noutras décadas. Aqui, a cidade e o campo, como panoramas, se confudem, sobrepõem-se, derrubam dicotomias, e essa relação é fatalmente identificável com este ouvinte que escreve. E neste caldo de sons e reflexões, me deparo com um músico no estado norte-americano de Wisconsin. Justin Vernon, nascido na cidade de Eau Claire (nome em francês para "água clara"), ingressa na universidade local no curso de música, e ainda durante seus estudos, reúne amigos na formação espontânea de bandas. Passada a euforia, Vernon refugia-se durante três meses no nordeste do estado, em uma cabana de madeira pertencente a seu pai, bem aos moldes "into the wild"; e desse retiro, nasce o álbum de estreia "For Emma, Forever Ago", componente de um novo projeto criado pelo artista intitulado "Bon Iver" (uma variante do francês Bon Hiver ou Bom Inverno), talvez uma alusão a esses nevados meses nas florestas. A sonoridade e voz do Justin refletem as calmas paisagens do Wisconsin, uma região repleta de planaltos e plancíes, além de seus extensos lagos e pastos. Dialogando seus instrumentos tradicionais do "folk", com ambiências eletrônicas de leve, o cantor/compositor ganhou destaque com seu projeto desde 2007, sendo bem aceito não apenas por um público já estimado, como também acabou por cair nas graças de artistas como (pasmem!) Kanye West, que o convidou a participar de seu último disco "My Beautiful Dark Twisted Fantasy". Vale destacar algumas de suas canções como: Flume, Skinny Love, For Emma e Brackett W9, além da faixa Wisconsin. Para dias chuvosos, viagens pelas serras ou mesmo em aconchegos de casa, as melodias simples de Bon Iver repousam sem ressalvas nos bons ouvidos e corações.

As Matas e as culturas


Semana passada estive no município de Goiana, para ministrar uma oficina sobre Patrimônio e Preservação, uma atividade componente do Festival Pernambuco Nação Cultural, promovido pela Fundação do Patrimônio Histórico e Artítisco de Pernambuco (Fundarpe). A oficina havia sido configurada para um público composto por gestores públicos e componentes de grupos e associações culturais dos 19 municípios da chamada Região da Mata Norte, uma divisão do Governo do Estado para direcionar suas estratégias de ação, no qual foram nomeadas de Regiões de Desenvolvimento. O que me chamou atenção é que a Mata Norte de fato se identifica com essa nomeação, e consegue visualizar elementos culturais e naturais que em conjunto criam uma espécie de identidade que a revela como A MATA NORTE. Isso foi bem percebido na postura política dos participantes, que atuam quase como numa militância em prol da difusão e preservação da cultura, e enxergam isso como uma oportunidade viável de renda e estímulo à auto-estima das comunidades. Me deparei com uma ótica menos ingênua (que é muito comum ainda quando o assunto é gestão da cultura) e uma disposição para mudanças e tomadas de decisões estratégicas. Fora no mínimo, revigorante! A região possui algumas questões que merecem considerações. E no meio dos meus registros fotográficos e conversas com moradores, percebo como a dinâmica da chamada Zona da Mata se diferencia das outras macroregiões do Estado. Detentora de um título que remete a biomas há muito já comprometidos, o que mais observava a caminho do município eram as vastas culturas da cana-de-açúcar, pontuadas por algum engenho que se fazia percebido a partir de capelas muito bem ornadas, fruto desse ouro branco a permitir ostentações das famílias patriarcais do açúcar em épocas de colônia. Os engenhos, quando não tomados como um patrimônio a ser preservado por lei ou transformados em pousadas de um turismo "rural", se reconfiguraram nas usinas, dando novas estéticas à paisagem dessa região nordeste de Pernambuco; usinas que costumo brincar ao fazer uma analogia com a Emerald City do Mágico de Oz, com suas torres altas e aspectos futurísticos. E como o doce ainda se faz presente! Todo momento é uma desculpa para se derreter compotas, bolos, cocadas, prensados na boca. Daí a cárie ser um fantasma das populações e a subnutrição um problema mais crítico que no Sertão e suas policulturas. E por falar em outras culturas, as expressões de boa parte desses indivíduos se fez mais presente em torno das habitações dos lavradores da cana, que sob a sombra de pomares esparsos e frondosos, construíram suas práticas, suas linguagens, as brincadeiras, que tomariam proporções internacionais, se popularizariam no carnaval, e chegariam às coberturas dos intelectuais da capital. O barro também é uma constante, matéria-prima das margens dos rios que rendeu títulos a alguns artesões, que buscavam na fé cristã e no cotidiano suas inspirações. Mas também percebi elementos que muitas vezes os processos de patrimonialização esquecem, nessa tendência a uma história das tradições: grupos de travestis, as turmas do reggae, os emos, a popularização do technobrega. Interessante abordar também que muito do que as populações mais jovens hoje percebem e praticam dessa "cultura" da Mata Norte, é nada mais que uma ressignificação do que fora percebido, registrado, estudado e transformado por intelectuais do Recife, a trazer uma nova visão sobre esses compostos culturais. E por fim, não poderia deixar de me referir à arquitetura (minha grande paixão), esta entendida também como um componente da cultura e por vezes um reflexo dos pensamentos e valores de uma sociedade. O material, representado pela pedra e cal, acaba por ser um reflexo do valor imaterial, estandartizado no "fazer". E pelas andanças em Goiana, uma cidade que se construiu sob as bases da economia do açúcar e de seu porto fluvial, qualquer leigo pode constatar que já se tratou de um local que, sem cerimônias, revelava o luxo proporcionado pelas produções da região, edificados nos altos casarões, nas ordens religiosas e seus conventos, as ruas largas, lojas maçônicas, praças e uma infinidade de igrejas barrocas e maneiristas (o que sem demora, já declarei a cidade do cristianismo no Estado). A arquitetura vernacular, por muitas vezes esquecida, também ganha seu destaque, com as vilas de operários e as casas dos artesões. Mas de fato, o que mais me marcou nessa viagem foi o mormaço que te deixa todo "peguento", as cervejas buscadas em cada esquina, as torres das igrejas vistas a cada lado que você lance um olhar, e a boa comida de "Mãe", nossa amiga de São José do Belmonte (que por sinal, será meu próximo destino em maio e renderá um outro post).

terça-feira, abril 19, 2011

por que H (h)istória?


Vem sendo uma pergunta frequente dos meus amigos e conhecidos em relação a essa minha nova escolha de estudos. "Por que diabos, depois de uma boa graduação, chances de ingressar num mestrado e um futuro já perceptível, você quis estudar história?". Será que foi para se ter mais conhecimento do passado, enriquecer as curiosidades? Para estar por dentro de todas as fofocas dos reis e chefes de estado? Ou ter uma visão crítica e analista do passado com vias a entender melhor os fatos sociais do presente? Foi por uma curiosidade, ou por achar que o passado sempre se apresentará "melhor" que esse presente caótico, incerto, desiludido? Já sei, foi para estudar o passado e aprender com os erros dos homens, tomando-os por exemplo para não errar nunca mais? Seu intuito é o de estudar uma história dos vencidos, esquecidos e subjugados por gerações, no intuito de uma compensação? Seria uma mistura de um pouco disso tudo, então? Ou simplesmente para ensinar História? Ou contar história? - Pois respondo que nem tão científica, nem tão ficcional foram minhas escolhas para o estudo da história. Há uma certa curiosidade? Sim, mas com a ciência de tudo que fora escrito até hoje não passar de diferentes interpretações e ressignificados de um tempo que já não existe mais. Quanto à criticidade, não espero levar meus estudos de forma tão analista assim, tratando tudo em sua coletividade, como na sociologia clássica e nos seus fatos estudados a partir de uma conjetura. Uma história dos esquecidos? Certamente, mas sem esquecer os papéis dos representantes do poder, pois é nessa relação que as dinâmicas também se desenrolam. Me enxergo hoje, nesse exercício longo de um futuro historiador, apenas em atingir um objetivo de unir a narrativa aos fatos revelados nos documentos, depoimentos, registros outros, que não fazem desse mesmo narrar, uma mera ficção. E quantos mundos podem ser interpretados e narrados sob essa ótica! Quantas possibilidades! Tenho uma quase certeza, de que é isso a me levar nessas estradas, que são no mínimo, prazerosas, atraentes, libertadoras!

o que melhor senão a escrita?

esses dias percebo que de fato, a escrita irá me salvar (como já havia atestado em postagens anteriores). eu estudo, analiso, leio, reúno escrita e escritas quase todos os dias, e por isso vou dedicar-me, e dedicá-la a apenas uma pessoa nesses próximos dias (acredito que a mesma nunca sequer irá ler essas minhas frases, mas o fato de tecê-las para este indivíduo já será o suficiente para comprovar as nuvens e músicas que passeiam por aqui).

quinta-feira, abril 14, 2011

friends

numa madrugada insone, a pensar nas contas a pagar e nos livros a adquirir, vertendo goles rápidos de água fria (para aliviar o desconforto no dente), eu penso nas amizades que teci do ano passado até hoje. e como elas me revigoram, transformam meu humor, agem como uma erosão sobre a minha camada espessa de sisudez e intolerância. são os tantos risos, as piadas internas, as tardes de andanças pelas ruas sujas do recife, ou pintadas por ipês em gravatá. as noites de vinhos e conversas soltas sobre vidas tão complexas, de pessoas que cresceram praticamente juntas, no mesmo espaço e tempo, porém, levaram cerca de duas décadas para se encontrarem, e que depois do tal dia, perceberem que haviam compartilhado as mesmas memórias coletivas, ou até se esbarraram na saída da escola, porém nem sabiam seus nomes (nem seus próprios).esses são aqueles momentos em que o tempo brinca de ser independente e o acaso ocupa seu locus, ou seria coisa dos deuses, a riscar o destino dessas figuras?