quarta-feira, abril 20, 2011

As Matas e as culturas


Semana passada estive no município de Goiana, para ministrar uma oficina sobre Patrimônio e Preservação, uma atividade componente do Festival Pernambuco Nação Cultural, promovido pela Fundação do Patrimônio Histórico e Artítisco de Pernambuco (Fundarpe). A oficina havia sido configurada para um público composto por gestores públicos e componentes de grupos e associações culturais dos 19 municípios da chamada Região da Mata Norte, uma divisão do Governo do Estado para direcionar suas estratégias de ação, no qual foram nomeadas de Regiões de Desenvolvimento. O que me chamou atenção é que a Mata Norte de fato se identifica com essa nomeação, e consegue visualizar elementos culturais e naturais que em conjunto criam uma espécie de identidade que a revela como A MATA NORTE. Isso foi bem percebido na postura política dos participantes, que atuam quase como numa militância em prol da difusão e preservação da cultura, e enxergam isso como uma oportunidade viável de renda e estímulo à auto-estima das comunidades. Me deparei com uma ótica menos ingênua (que é muito comum ainda quando o assunto é gestão da cultura) e uma disposição para mudanças e tomadas de decisões estratégicas. Fora no mínimo, revigorante! A região possui algumas questões que merecem considerações. E no meio dos meus registros fotográficos e conversas com moradores, percebo como a dinâmica da chamada Zona da Mata se diferencia das outras macroregiões do Estado. Detentora de um título que remete a biomas há muito já comprometidos, o que mais observava a caminho do município eram as vastas culturas da cana-de-açúcar, pontuadas por algum engenho que se fazia percebido a partir de capelas muito bem ornadas, fruto desse ouro branco a permitir ostentações das famílias patriarcais do açúcar em épocas de colônia. Os engenhos, quando não tomados como um patrimônio a ser preservado por lei ou transformados em pousadas de um turismo "rural", se reconfiguraram nas usinas, dando novas estéticas à paisagem dessa região nordeste de Pernambuco; usinas que costumo brincar ao fazer uma analogia com a Emerald City do Mágico de Oz, com suas torres altas e aspectos futurísticos. E como o doce ainda se faz presente! Todo momento é uma desculpa para se derreter compotas, bolos, cocadas, prensados na boca. Daí a cárie ser um fantasma das populações e a subnutrição um problema mais crítico que no Sertão e suas policulturas. E por falar em outras culturas, as expressões de boa parte desses indivíduos se fez mais presente em torno das habitações dos lavradores da cana, que sob a sombra de pomares esparsos e frondosos, construíram suas práticas, suas linguagens, as brincadeiras, que tomariam proporções internacionais, se popularizariam no carnaval, e chegariam às coberturas dos intelectuais da capital. O barro também é uma constante, matéria-prima das margens dos rios que rendeu títulos a alguns artesões, que buscavam na fé cristã e no cotidiano suas inspirações. Mas também percebi elementos que muitas vezes os processos de patrimonialização esquecem, nessa tendência a uma história das tradições: grupos de travestis, as turmas do reggae, os emos, a popularização do technobrega. Interessante abordar também que muito do que as populações mais jovens hoje percebem e praticam dessa "cultura" da Mata Norte, é nada mais que uma ressignificação do que fora percebido, registrado, estudado e transformado por intelectuais do Recife, a trazer uma nova visão sobre esses compostos culturais. E por fim, não poderia deixar de me referir à arquitetura (minha grande paixão), esta entendida também como um componente da cultura e por vezes um reflexo dos pensamentos e valores de uma sociedade. O material, representado pela pedra e cal, acaba por ser um reflexo do valor imaterial, estandartizado no "fazer". E pelas andanças em Goiana, uma cidade que se construiu sob as bases da economia do açúcar e de seu porto fluvial, qualquer leigo pode constatar que já se tratou de um local que, sem cerimônias, revelava o luxo proporcionado pelas produções da região, edificados nos altos casarões, nas ordens religiosas e seus conventos, as ruas largas, lojas maçônicas, praças e uma infinidade de igrejas barrocas e maneiristas (o que sem demora, já declarei a cidade do cristianismo no Estado). A arquitetura vernacular, por muitas vezes esquecida, também ganha seu destaque, com as vilas de operários e as casas dos artesões. Mas de fato, o que mais me marcou nessa viagem foi o mormaço que te deixa todo "peguento", as cervejas buscadas em cada esquina, as torres das igrejas vistas a cada lado que você lance um olhar, e a boa comida de "Mãe", nossa amiga de São José do Belmonte (que por sinal, será meu próximo destino em maio e renderá um outro post).

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