domingo, maio 29, 2011

on the road again

De tantas viagens pelo sertão, com diversas paradas e pesquisas, não se pode negligenciar os caminhos percorridos até alcançar os objetivos já traçados previamente. A cada nova jornada, a paisagem sempre revela aspectos inéditos, o que permitirá que eu ressignifique não só o sertão, mas o estado de Pernambuco inteiro, infinitas vezes.



O vídeo acima é resultado de uma tentativa de registro (bem amadora e simples), porém sincera, das minhas impressões ao passar por trechos entre Custódia e Serra Talhada no caminho para Belmonte.

A música, que me acompanhou durante o trajeto, é de um dos meus cantores preferidos: Bonnie Prince Billy - No bad news.

quarta-feira, maio 18, 2011

Visita à mangueira dos tantos braços

Percorrendo estradas de barro, atravessando poças e olhos d'água, acompanhados de uma paisagem diversa em cores e elementos (árvores frondosas, macambiras e xique-xiques, bodes marcados por seus proprietários, capelinhas carregadas de um catolicismo popular), serpenteávamos aqueles caminhos no sertão de Mirandiba, procurando uma tal árvore muito citada na cidade, tão robusta que 9 (ou 7 pessoas, dependendo dos braços) poderiam abraçá-la. Tratava-se da Mangueira do Brejo.


Capelinha no caminho da Mangueira


Catolicismo popular
Segundo os relatos, a monumental mangueira, situada na região úmida do Brejo do Gama, por sua imponência, inibia suas outras irmãs próximas, reinando soberana numa área de fronteiras entre municípios e vestida de muitas narrativas e contos transmitidos por muitos dos lugares que passamos.

Falam de um cavaleiro, que havia afundado com cavalo e tudo num chão pantanoso naquelas proximidades. De um oitizeiro com proporções consideráveis, mas que tímido, se esconde na sombra daquela árvore. De um tempo em que a instalação de um poço havia ameaçado a própria condição de sua grandeza, e que um dossiê está prestes a ser enviado para os responsáveis do guiness book a nomearem como a "maior mangueira do mundo".

Enfim, a mangueira  



 
O oitizeiro
 Ao chegar no local, percebi que se tratava de todo um espaço naturalmente privilegiado. Formações rochosas, um fio d'água, muitas árvores (incluindo o dito oitizeiro), e bem no meio, aquela mangueira, que de fato se revelava não apenas no seu tamanho mas também em idade. Ouvia sons de animais vindos de seu interior, como se a mesma se comunicasse, e todo aquele ambiente, ganhava voz a partir das histórias e expressões dos muitos que já estiveram ou mesmo ouviam falar dessa mangueira.


O Entorno

domingo, maio 15, 2011

Santa Maria de Tupanaci (Mirandiba) e algumas considerações

Depois de mais de uma semana sem postagens (vida atribulada de coisas, querendo que o dia tivesse 30 horas), resolvi voltar a escrever mais das minhas andanças pelo município de Mirandiba, no Sertão Central, mês passado.

Outro ponto interessante que visitamos naquela viagem (além das inúmeras comunidades quilombolas presentes na região), foi o distrito de Tupanaci, ou Santa Maria, como chamam os mais antigos. Distando uns 32 km da sede municipal, sua formação remonta aos tempos da povoação do sertão, nas proximidades de rios (neste caso, especificamente o rio Pajeú), por intermédio de famílias que descendiam de brasões portugueses.

Ruínas da Fábrica de Caroá


Igreja de Nossa Senhora da Conceição




E foi em fins do século XIX que famílias foram se assentando naquele território, a partir de uma fazenda, cujo proprietário,devoto da Virgem da Conceição, realizava novenas em sua residência. A fé católica bem aos moldes ibéricos e populares, atraia cada vez mais um número considerável de fiéis aos cultos ali realizados. De tanta fama conquistada dessas celebrações, se fez urgente que a Virgem fosse abrigada num espaço de confluência maior, o que permitiria acomodar todos os ritos e participantes. Surgia daí a ideia de se edificar uma capela nas proximidades, num local chamado de Várzea da Toca, no então município de Floresta.

Sem tentar estabelecer leis, porque isso não existe em hipótese alguma na história, mas mergulhando na historiografia dos sertões brasileiros, percebe-se muito a constituição de arruados a partir de uma igreja (local de ritos e celebrações de cunho sagrado ou social), conjugada a uma praça ou pátio que servia de espaço de sociabilidade (um elemento, que na minha concepção, mais do que legitima a natureza de uma formação urbana); e foi assim que o povoado ia se desenhando, em torno da capela batizada de Santa Maria em referência a Nossa Senhora da Conceição (padroeira de muitos distritos pelo interior do Estado).



Interessante, ao pesquisar registros sobre o povoamento das áreas mais distantes do litoral brasileiro, é uma constante no enaltecimento das famílias de estirpe portuguesa que desbravaram os territórios "selvagens", e possibilitaram a formação de nucleos urbanos, carregando a bandeira da "civilidade". Negligencia-se desse processo, outros povos e etnias que se assentavam nestas regiões, populações que foram escamoteadas de seus espaços simbólicos,empurrados cada vez mais mata a dentro. E nos fatos de Santa Maria, encontram-se registrados a presença de tribos do tronco Tupi, de onde provavelmente originou-se o nome TUPANACI (uma representação de "Mãe de Deus" - referindo-se à virgem católica).



Às margens do Pajeú, a vila florescia, e movimentava um verdadeiro ciclo social e econômico em toda aquela região, estreitando laços inclusive com a cidade de Serra Talhada. Já pela década de 1930, feiras, comércio constante, escolas, uma banda marcial, celebrações (sagradas e profanas) coloriam o núcleo. A instalação de uma fábrica de fibra de Caroá (para quem não conhece, o Caroá é uma espécie de planta comum no agreste e sertão do Estado, que fornece fibras resistentes para a produção de cestos, bolsas, esteiras e até vestimentas), ajudou a dinamizar ainda mais aquela localidade social e economicamente. Que anos mais tarde, tornaria-se distrito da então Mirandiba.

Altar mor da Igreja


E tudo isso ia sendo narrado e lido nos textos oferecidos pelos moradores, durante a minha visita. Eu estava diante de uma vila que transmitia a sensação de ter praticamente estagnado no tempo. As duas ruas principais que a constituem, preservam ainda as mesmas configurações de suas casas (todas contando mais de décadas). A igreja ao centro, vigia a praça e o  busto em homenagem a um bispo, "filho da terra", que havia ganho destaque na diocese de Caruaru. Mas a fábrica, o bar, a farmácia, a "venda" e muitas das casas (hoje mais consideradas de "repouso" para quem já não mora mais por lá) encontram-se fechadas, e as representações sociais, diminuiram.






Testemunhos de uma das moradoras mais antigas, revelaram como Santa Maria era movimentada, viva, e de como a mudança de eixos econômicos daquela região para proximidades a Mirandiba, mudaram todo o seu quadro, e permitiram, inclusive, a permanência de todo aquele desenho urbano, que muitos hoje anseiam em preservar. Já que o cenário é desses propícios ao que poderíamos chamar de um filme de "época".

Bom, quanto às discussões sobre essa ótica de preservação e as críticas a uma história que mais musealiza, engessa, do que dinamiza as práticas e significações sociais, deixo para as publicações desse trabalho de pesquisa, que quando forem publicadas oficialmente, todos terão acesso. Por enquanto, eu deixo apenas essas impressões iniciais.

sexta-feira, maio 06, 2011

Feijão - Mirandiba

A viagem seguiu até a comunidade de Feijão, próxima à sede do município de Mirandiba. À medida que avançávamos nas pesquisas, era de se perceber a forte articulação dos membros desses territórios, utilizando, dentre outras ferramentas, a educação, no intuito de construir e debater de maneira compartilhada, questões ligadas à posse da terra, da etnia, preconceitos e formas alternativas de subsistência (já que a atividade predominante é a agropecuária).


De maioria cristã, a população ainda apresenta alguns de seus membros detentores do conhecimento de práticas que se vestem de recortes afro-brasileiros, porém esses saberes se encontram muito mais interiorizados e cristalizados nas memórias dos mais velhos, apesar de uma rezadeira/benzedeira significar uma exteriorização de um catolicismo popular.


A relação com a terra ultrapassa a questão de cor, e define todos como quilombolas, que se auto-identificam como tal, e se percebem sujeitos de uma história de ocupações e formação de povoamentos no município, pluralizando, dessa forma, as histórias oficiais dos detentores de poderes.




Mas o melhor da visita foi o momento na escola, nas conversas com os alunos, cada um com histórias, quilombolas declarados, com os cabelos "tranceados" bem na moda do "afro", curiosos, felizes, sem aparentar essas necessidades que as crianças dos grandes centros urbanos berram o tempo todo para que sejam satisfeitas. E a cada nova descoberta, mais me dava conta do quanto ainda não conheço no Estado, e ia me sentindo em casa.

terça-feira, maio 03, 2011

Mirandiba - Primeiro Dia (Queimadas)

Continuando o  "diário de bordo" da minha última viagem de pesquisa, resolvi dividir meu relato de acordo com os dias, já que o trabalho foi bastante extenso (e inclusive ainda não terminou). Bom, antes de tudo gostaria de apontar que para esta atividade, estiveram presentes comigo profissionais de outras áreas: dois sociólogos e uma arquiteta, pessoas que prezo bastante, inclusive, e que possibilitaram ótimos resultados dessa ida ao município de Mirandiba.

Como já havia discorrido na postagem anterior, os estudos na região tomaram proporções muito maiores, quando nos deparamos com a presença de 9 comunidades quilombolas registradas, além de índios desaldeados da tribo dos Atikum (etnia presente na região da Serra Umã). Logo no primeiro dia, foi marcada uma visita a duas dessas comunidades: Feijão e Queimadas (ambas próximas da sede do município).

Acompanhados pelo representante das comunidades quilombolas do município, visitamos a princípio a comunidade de Queimadas, território reconhecido pela Fundação Palmares (instituição vinculada ao Ministério da Cultura, com a missão de promover e preservar a cultura afro-brasileira, através de programas de inclusão das populações negras nos processos de desenvolvimento regional e federal). Para saber mais sobre a Fundação e as comunidades reconhecidas no Estado de Pernambuco, consultar o portal: http://www.palmares.gov.br/?page_id=88&estado=PE

Queimadas


Ao chegarmos na comunidade, sobre os olhares curiosos das crianças, fomos direto na escola, considerada a sede das reuniões da associação, onde se conversou com a professora e com o representante de todas as comunidades da região. Aos poucos foram chegando mais moradores, alguns inclusive, ligados diretamente à associação, todos cheios de histórias ricas em narrativas sobre o processo de povoamento E revelou-se também os saberes e as formas de expressão presentes no cotidiano e nas vivências dos seus habitantes.

conversas na escola


Queimadas possui cerca de 15 famílias, todas baseadas na economia da agropecuária, percebendo daí  o forte vínculo à terra, e como os relatos bem apresentavam as lutas e dificuldades para que a população se estabelecesse naquela área (muitos vindos de uma fazenda da região chamada de Quixabeira, onde contam partir as origens de povoamento do município). Aliás, Quixabeira será uma fazenda recorrente nas narrativas dos quilombolas, o que possivelmente seria o ponto de partida dessas mobilizações e assentamentos por propriedades suas, após anos de escravidão e de fugas resultantes nos quilombos. Outro fator também constatado nas entrevistas foi o grande vínculo de parentesco entre moradores de remanescentes diferentes, o que possibilita um intercâmbio saudável entre seus membros.



Plantadores de feijão e milho e criadores de muitos caprinos, os moradores de Queimadas também possuem conhecimentos na fibra do Caroá (típica planta encontrada no agreste e sertão do estado), e dela produzem uma série de artefatos, desde bolsas até esteiras. Vinculados a programas de agricultura orgânica numa ONG do município, além da produção de subsistência, geram alguma renda com o repasse de seus produtos a escolas e instituições públicas de vários municípios do sertão, no intuito de possibilitar uma auto-suficiência dessas comunidades. Ainda não fora encontrada uma solução final para uma possível comercialização de suas produções artesanais. 

crianças receptivas


Outra questão importantíssima também abordada nas conversas foi a respeito das expressões e celebrações daqueles quilombolas, ressignificadas em elementos da cultura afro-brasileira, de etnias indígenas da região e do forte catolicismo de caráter popular sertanejo. Todos de crença católica, contaram das participações nas festas do padroeiro São João da sede, uma festa que diferente da maioria dos festejos juninos dos grandes centros do Nordeste, ainda carrega uma série de celebrações de cunho sagrado, nas novenas e procissões, desde a festa de São José no mês de março. Algumas danças como a de São Gonçalo (que pretendo discorrer sobre, posteriormente) e o Coco também foram elencadas; que mesmo sem um grupo oficializado, a comunidade, de forma espontânea, brinca e vivencia.

residir


De primeira visita, já tinha pensando numa série de abordagens e possíveis ações para aquela comunidade. Percebi como aqueles indivíduos são organizados e se auto-identificam como "quilombola"; há, inclusive, certo orgulho saudável por trás desse discurso. No entanto, as carências são muitas, e se faz urgente a adoção de medidas que visem dinamizar aquelas populações para que se tornem cada vez mais auto-suficientes fortalecendo, assim, sua auto-estima.

Como me empolguei demais neste primeiro instante, deixarei para tratar sobre a comunidade de Feijão, numa próxima publicação!


segunda-feira, maio 02, 2011

the land returns to how it has always been

agora posso descansar
sem mais explosões ou aços cantando
meus pés arrasados, as pupilas dilatadas,
a respiração cortada
as batidas descompassadas
FUMAÇA
o PÂNICO
se perderam no horizonte
e o sujeito, está morto
finalmente, a besta
instintos!
posso retornar, agora

domingo, maio 01, 2011

Abril - Sertão Central

Antes de contar por etapas as minhas viagens pelo sertão pernambucano no fim desse mês (abril), eu gostaria de apontar que viajar faz parte da minha vida. Venho de uma família que sempre esteve viajando, mudando de cidades, residências, quase uma coisa cigana; e inclusive, mesmo a essa altura, meus pais ainda continuam pensando em morar em outras regiões. Coisas de família mesmo. Enquanto isso, estou no Recife, tentando realizar que encontrei um possível descanso; porém, o viajar nunca vai se tornar algo desgastado. Tive oportunidades de sempre trabalhar com viagens, conhecendo novos lugares, conversando com pessoas, pesquisando, reunindo depoimentos e fotografias (e isso é apenas o início).

Praça Mirandibense


No mês de abril, eis que surge uma demanda de trabalho num município da região do Sertão Central: Mirandiba, situada a uns 420 km da capital, tendo por vizinhas, dentre outras, Serra Talhada, São José do Belmonte e Carnaubeira da Penha. O objetivo, a princípio, seria o de construir uma oficina com temáticas de preservação do patrimônio cultural para que a comunidade se apropriasse e preservasse dois bens culturais da região (a Mangueira do Brejo e o Casario do distrito de Tupanaci), ambos apresentando possíveis potenciais turísticos, inclusive.

Com pouco mais de 15 mil habitantes, o pequeno e charmoso município no semi-árido pernambucano, apresentava ainda outras surpresas, que nos levou a uma pesquisa de campo extensa e complexa. Saindo do Recife ainda na madrugada da quarta-feira (dia 27), já reunia alguns escritos sobre a região, dentre estes, informações sobre a presença de comunidades de remanescentes quilombolas, espalhadas na zona rural do município.

Entrada do Município


A viagem até Mirandiba passava por lugares já bem conhecidos de outros trabalhos de campo; as inúmeras "vendas" de mel e queijo em Sanharó, o panorama de Pesqueira e suas construções religiosas seculares aos pés da serra, o Vale do Catimbau e suas cidades de pedra, as igrejas em neo-gótico de dezenas de municípios do agreste e sertão, e muito verde, por todo lado, desconstruindo aquela ideia de seca e atmosfera moribunda que a mídia vez ou outra gosta de transmitir sobre o sertão, já rejeitada por muitos há tempos.

E por volta das 11h, chegamos à sede do município, que tomei logo por "dotada de um certo charme". Duas avenidas cortando a cidade, uma imagem de São João (padroeiro), o portal de boas-vindas, algumas casas que revelavam décadas de existência, duas igrejas, o cemitério e várias pracinhas. Outro elemento interessante era a forte presença da população negra e de como ela se auto identificava como tal, um resultado, possivelmente, da grande quantidade de remanescentes quilombolas em seu entorno. Ouvimos inclusive, histórias de racismo ainda da década de 1970, dos clubes para "os brancos" e "os negros", da segregação,  fruto da dominação das famílias de fazendeiros. Porém, todos diziam que atualmente essas barreiras haviam, de certa forma, se desmanchado.

Na prefeitura, tivemos conhecimento, a partir de seus funcionários, sobre alguns bens culturais na região, além das lendas e histórias que os "antigos" contam e povoam o imaginário da população (que mais tarde serão narradas pelos moradores na nossa pesquisa, permitindo a construção de outras interpretações). Foi conversado também com um representante dos quilombolas, além de se descobrir, a partir de uma breve conversa com um descendente dos índios Atikum, a quantidade de índios "desaldeados" que moram na cidade, com origens nas aldeias na Serra Umã, divisa entre Mirandiba e Carnaubeira da Penha. Estava aí um panorama riquíssimo a ser estudado e analisado, o que exigiria muitas andanças.

O comecinho da noite


Almoçamos a típica carne-de-sol e fomos à pequena pousada de dona "Fia", que me lembrava um pouco aqueles casarões sulistas norte-americanos (só que com ares sertanejos). Marcadas as primeiras visitas, iríamos até as comunidades quilombolas de Feijão e Queimadas (próximas à cidade) e depois faríamos um reconhecimento da área urbana (nesse primeiro dia).