Continuando o "diário de bordo" da minha última viagem de pesquisa, resolvi dividir meu relato de acordo com os dias, já que o trabalho foi bastante extenso (e inclusive ainda não terminou). Bom, antes de tudo gostaria de apontar que para esta atividade, estiveram presentes comigo profissionais de outras áreas: dois sociólogos e uma arquiteta, pessoas que prezo bastante, inclusive, e que possibilitaram ótimos resultados dessa ida ao município de Mirandiba.
Como já havia discorrido na postagem anterior, os estudos na região tomaram proporções muito maiores, quando nos deparamos com a presença de 9 comunidades quilombolas registradas, além de índios desaldeados da tribo dos Atikum (etnia presente na região da Serra Umã). Logo no primeiro dia, foi marcada uma visita a duas dessas comunidades: Feijão e Queimadas (ambas próximas da sede do município).
Acompanhados pelo representante das comunidades quilombolas do município, visitamos a princípio a comunidade de Queimadas, território reconhecido pela Fundação Palmares (instituição vinculada ao Ministério da Cultura, com a missão de promover e preservar a cultura afro-brasileira, através de programas de inclusão das populações negras nos processos de desenvolvimento regional e federal). Para saber mais sobre a Fundação e as comunidades reconhecidas no Estado de Pernambuco, consultar o portal: http://www.palmares.gov.br/?page_id=88&estado=PE
Queimadas |
Ao chegarmos na comunidade, sobre os olhares curiosos das crianças, fomos direto na escola, considerada a sede das reuniões da associação, onde se conversou com a professora e com o representante de todas as comunidades da região. Aos poucos foram chegando mais moradores, alguns inclusive, ligados diretamente à associação, todos cheios de histórias ricas em narrativas sobre o processo de povoamento E revelou-se também os saberes e as formas de expressão presentes no cotidiano e nas vivências dos seus habitantes.
conversas na escola |
Queimadas possui cerca de 15 famílias, todas baseadas na economia da agropecuária, percebendo daí o forte vínculo à terra, e como os relatos bem apresentavam as lutas e dificuldades para que a população se estabelecesse naquela área (muitos vindos de uma fazenda da região chamada de Quixabeira, onde contam partir as origens de povoamento do município). Aliás, Quixabeira será uma fazenda recorrente nas narrativas dos quilombolas, o que possivelmente seria o ponto de partida dessas mobilizações e assentamentos por propriedades suas, após anos de escravidão e de fugas resultantes nos quilombos. Outro fator também constatado nas entrevistas foi o grande vínculo de parentesco entre moradores de remanescentes diferentes, o que possibilita um intercâmbio saudável entre seus membros.
Plantadores de feijão e milho e criadores de muitos caprinos, os moradores de Queimadas também possuem conhecimentos na fibra do Caroá (típica planta encontrada no agreste e sertão do estado), e dela produzem uma série de artefatos, desde bolsas até esteiras. Vinculados a programas de agricultura orgânica numa ONG do município, além da produção de subsistência, geram alguma renda com o repasse de seus produtos a escolas e instituições públicas de vários municípios do sertão, no intuito de possibilitar uma auto-suficiência dessas comunidades. Ainda não fora encontrada uma solução final para uma possível comercialização de suas produções artesanais.
crianças receptivas |
Outra questão importantíssima também abordada nas conversas foi a respeito das expressões e celebrações daqueles quilombolas, ressignificadas em elementos da cultura afro-brasileira, de etnias indígenas da região e do forte catolicismo de caráter popular sertanejo. Todos de crença católica, contaram das participações nas festas do padroeiro São João da sede, uma festa que diferente da maioria dos festejos juninos dos grandes centros do Nordeste, ainda carrega uma série de celebrações de cunho sagrado, nas novenas e procissões, desde a festa de São José no mês de março. Algumas danças como a de São Gonçalo (que pretendo discorrer sobre, posteriormente) e o Coco também foram elencadas; que mesmo sem um grupo oficializado, a comunidade, de forma espontânea, brinca e vivencia.
residir |
De primeira visita, já tinha pensando numa série de abordagens e possíveis ações para aquela comunidade. Percebi como aqueles indivíduos são organizados e se auto-identificam como "quilombola"; há, inclusive, certo orgulho saudável por trás desse discurso. No entanto, as carências são muitas, e se faz urgente a adoção de medidas que visem dinamizar aquelas populações para que se tornem cada vez mais auto-suficientes fortalecendo, assim, sua auto-estima.
Como me empolguei demais neste primeiro instante, deixarei para tratar sobre a comunidade de Feijão, numa próxima publicação!
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