
quarta-feira, janeiro 07, 2015
Rio - Janeiro de 2015
Hoje resolvi andar pelas ruas tal como um flaneur. Na solidão de uma cidade de milhões de habitantes, a me perder entre as esquinas e os prédios carregados de historicidade. As bancas de revista e os fumantes. Os atletas e as babás. O mendigo deitado na calçada e a senhora de bengala ostentando suas décadas. A primeira coisa que desperta no Rio de Janeiro não é a libido, calor dos corpos, loucura festeira, turistices. O Rio tem um ar melancólico, mesmo no mormaço de verão, disfarçado no chopp centenário, no sotaque aberto e numa certa malemolência misturada com desconfiança, misturada com uma alegria apressada e um quê de indivíduo. Não percebo posturas de comunidade, tal como me embalam as canções folk country de qualquer deserto com um punhado de gente. O Rio é cosmopolita, com tons de monarquia, moldes da Era Vargas e resíduos de 64. O Rio pode ser um alter brasilis, projetado pela mídia num convergir divergir da integração nacional brasileira. O Rio é romântico. É a explosão implosão dos seis sentidos. É a nostalgia dos vovôs do Catete e do "paraiba" de São Cristóvão. Me perco do Rio, toda vez que penso te-lo encontrado. A baía. Arquiteturas. Mate. Biscoito Globo. Resistência anti-turismo. Nordestino nas portarias, na área de serviço, nas Universidades e na Rede Globo. A baixada esquecida. A favela-safari. Quilombos-vielas-resistência. Da Gávea à Pavuna. Baixo botafogo. Baile Charme. Mcs. Belle époque e especulação imobiliária. Arte em mesa de bar. Boemia misturada de gringo. Tijuca e tradições. E todo mundo veio pra cá. De Luiz Gonzaga a Clarice, até Otto. O Rio gosta do Nordeste. Acha um mix charme-nostalgia, mesmo no bairrismo pernambucano. No carnaval, uma artéria circula da Marina da Glória até o Capibaribe. O Rio ainda tem inferninhos, podrões de madrugada competindo com as pizzas de Copacabana. As festas desafiam tempo espaço em sua simultaneidade. Gentrificações não ofuscam tradições. Não lugares e reinvenções. Acho que o Rio gosta de mim. Antipatias e esquivos quando surgem, são mais humanos que necessariamente cariocas. Seus dias de 20 graus e os abraços sinceros me põem em sintonia com essa que me arrisco dizer ser a eterna capital brasis.
corriqueiro
Nas primeiras semanas por aqui ouvi afirmações: "Não existe amor no Rio". Depois tenho me deparado com indagações do tipo "E no Rio? Existe amor? ". Amor como se espera ou não, só sei que sempre presencio nos metrôs, esquinas, cafés, no semáforo, nas praças, nas escadarias das universidades, no cotidiano, os beijos roubados, as mãos entrelaçadas, os abraços demorados. Possibilidades de amar.
trabalho
Esse discurso clássico conservador a respeito do trabalho, do esforço individual, e de que só assim temos direito a algo, nessa política da meritocracia é uma merda né, gente? Acho que essa ética protestante capitalista do trabalho é algo falido...a humanidade deveria pensar em novas formas de trabalho, não mais engolidas por regimes do capital ou pela ideia de atingir metas e números cifrados. Eu to pra ver sujeito que seja feliz tendo que trabalhar oito horas por dia, batendo ponto, por vezes num trabalho alienado, onde oitenta por cento da sua vida se resume a trabalho, esse, na maioria das vezes não criativo e nem prazeroso. Trabalho e prazer devem e podem andar juntos! Pode parecer utópico, mas aprendi que a utopia é um caminho para a transformação!
optimistic - setembro 2014
No dia em que deixar de acreditar em mim mesmo e nas pessoas desse mundo, nada mais terá graça! Acho que o tempo é uma das melhores invenções humanas quando o assunto é permitir que você reflita sobre seus múltiplos "eus" e como eles se relacionam com todos. Não estamos sozinhos! Vivemos numa interdependência cada vez mais complexa, e eu sempre vou acreditar no diálogo, na mediação, na ponderação e no respeito; livre das mágoas, dos desejos de se sentir superior, ou da indiferença. Não acredito que caminhamos para um fim desejado através de uma linha evolutiva, mas penso que apenas estamos nas diferentes jornadas para aquilo que acreditamos ser a felicidade
(express) - maio 2014
eu não sei porque mas fui tomado por uma vontade de escrever, riscar sem nexo, não tomado pelo voluntariado, sem esforços, e hoje nem estou inspirado, já que passei o dia lendo tratados de construções bizantinas, cúpulas e abóbadas e um calor e uma preocupação, que fora rapidamente substituída por alívio, o cheiro forte das tintas que me presenteou de uma leve alergia e as ligações de uma amiga que deve estar em casa, agora, sozinha. neguei as festas e os bares, pra encontrar a paz da serra, o frio, a música em médio volume, e talvez esses pequenos versos me inspiraram (inspirou o que? nem de longe sou poeta), só escrevo pra desenhar silêncios, materializar abstrações e imagens distorcidas que me afligem por estarem soltas por aí. e aqui do lado, o amigo cachorro deita sobre meu pé gelado, e a casa vazia me deixa sereno, a lembrar das coisas que chamam de "sérias" que tenho a escrever. e o frio aumenta, e os dedos se alongam, e o espírito, quieto.
inspirações pós-modernas
Eu sempre experimentei sensações poéticas nas grandes lojas de departamentos em fins de expediente. Ao caminhar entre os corredores vazios, lotados de quinquilharias, nos labirintos das seções, sinto como se os objetos falassem comigo, sem quebrarem o silêncio, entre um e outro comprador perdido, como eu. São minutos em que a solidão que assusta as pessoas, praticamente desaparece. Várias vezes, quando quero pensar, vou ao supermercado. Para muitos, essa prática parece absurda, mas o próprio absurdo da existência desses templos de consumo os tornam lugares enigmáticos, quase poéticos, assim como a arquitetura grotesca dos galpões de fábrica. Há algo de terror nesses lugares.
expectativas em março de 2014
O escuro do quarto proporciona sensações que por vezes são sufocadas pela luz. Um virar pelo avesso. Um sentir-se criança. Um estar mesmo antes da história. Entre o silencio e as distorções das formas. Entre o arcaico e o incerto.
méritos
ainda sob o calor das movimentações da França no ano de 1789, um grupo de construtores, antes ligados as corporações de ofício (estas extintas em prol da doutrina do liberalismo), se reunem em 1791 com o intuito de, junto aos seus empreiteiros, reivindicar uma regulamentação salarial. Sem a resposta dos empresários, procuram a prefeitura de Paris, que não só condena uma possível formação de uma "associação" que poderia resultar num "novo monopólio", como ainda dispara, através de um manifesto afixado nas ruas de Paris dentre outras palavras: "É bem verdade que todos os cidadãos são iguais em direitos, porém não o são, de fato, em capacidade, talentos e meios; é portanto, impossível que eles se iludam pensando que podem todos obter os mesmos ganhos"
A impressão que fica é que ainda se pensa assim hoje, e eu diria: é de acordo com esses níveis de "talento" que se julga justo um salário ou outro? E que valor "justo" seria esse? Nosso salário mínimo para aqueles que não possuem formação universitária?
Absurdos
Viagem ao sertão - maio de 2014
Hoje, na volta do sertão, ouvia essa música. Observava o ritmo das pessoas nas casas perto da rodovia, o ritmo diferente daquele que conheço. A paisagem agreste e despreocupada. As nuvens deixando o dia manso, parado. E a velocidade do automóvel circulava com meu sangue de volta pra casa. Descobri a importância de viajar na minha vida. De encontrar pessoas, partilhar experiências, conhecer o novo, o outro, construir coisas, e perceber a esperança, a beleza, a troca, o diferente. Acredito que poderia passar a minha vida viajando. Por vezes, quando retorno, o peso da rotina, o baque do cotidiano, a sensação de vazio, às vezes me deixa oco, como se andasse sem rumo, perdido. E nas quilometragens das estradas, me encontro, nunca perco o sentido, sei para onde estou indo, mesmo sem mapas e direção certa. Apenas me levo, e me descubro, e me conheço cada vez mais. A solidão das estradas me alivia. As paradas e conversas entrecaminhos me recarrega. Me sinto vivo, me sinto múltiplo, milhões, sobrepostos, no incerto que logo sei que é certo. Cada pessoa, cada casa, cada esquina, me espera, e sorri, me recebe, me percebe vivo, que existo, que estou lá, sempre lá. Já o aqui faz malabares, ofusca, sua luz incide sobre meu corpo em determinadas horas ao longo do dia, poucas horas. Eclipse. E nas idas, levo tudo, a carregar no coração. Porém o aqui não está perdido, ainda. Só falta me encontrar, e sorrir, e me abraçar, e me perceber não como passageiro, mas como quem veio para ficar.
Utopias?
por uma cidade com menos carros, por uma jornada de trabalho menor que 40h semanais, pela valorização dos professores, pelas cotas raciais nas universidades, por assistência social às camadas menos favorecidas, pela não precarização do trabalho, pela desconstrução dos estereótipos de gênero, pela legalização do aborto, da maconha, do casamento entre pessoas do mesmo sexo, pelos direitos e garantias às trans, pela reforma agrária, por melhores escolas, por mais bibliotecas, por universidades mais voltadas à formação humana que para alimentar um mercado de trabalho, pela nacionalização dos bens nacionais, por posturas mais antiliberais, por um Estado LAICO, por uma educação política, por fontes alternativas de energia, pelo fim do trabalho em condições análogas à escravidão, por um acesso da população aos bens culturais...
por coisas que acredito
21 de novembro de 2013 - São Lourenço de Tejucupapo-Goiana/Pernambuco
Hoje entrevistei na Povoação de São Lourenço de Tejucupapo - Goiana, D. Marli. Mulher, católica fervorosa, negra, na casa de seus 80 anos e com uma sabedoria que acredito que nem ela sabe seu tamanho. Antes mesmo de entrar em sua casa, já a avistei de longe, do terraço, observando sorridente a roda de capoeira que acontecia na praça. Ao cumprimentá-la, seu sorriso era de receptividade, e pedi licença para que pudéssemos conversar sobre sua vida, suas impressões, sua visão de mundo, da comunidade, de suas culturas e identidades. Sua energia tomava conta do espaço e me envolveu, como poucas pessoas conseguem me envolver numa primeira conversa. Ao longo das histórias, Marli se declarou analfabeta (e me perguntei: ela pode acreditar que por não conhecer as letras, não lhe alcança o mundo). Pois que nada! D. Marli é uma mulher sábia, que em seus pequenos espaços de sociabilidades, experimentou a vida, a viu fluir, em tantas vivências, alegrias, perdas, passagens, visitantes. Ali, cuidando da igreja de São Lourenço (hoje com títulos de patrimônio cultural de Pernambuco), D. Marli construiu uma vida simples, porém sincera, de lutas, repressão, saltos, enfrentamentos; e hoje, ao ouvir suas histórias, percebo as infinitas possibilidades da vida. Por fim, não resisti! Quebrei protocolos acadêmicos bobos e a abracei, bem forte, declarando: "a senhora é muito mais sábia que eu, que brinco de brincar com as palavras".
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