sexta-feira, dezembro 09, 2011

Vitrais no claro

Catedral de Petrolina


Grassavam nas vastas solidões as estruturas de pedra e ferro, por vezes altas, de repente tímidas. Feitas por braços múltiplos, na coletividade dos insetos porém sem o rigor dos cortejos. Doações e sacrifícios, como manda a crença, a vestir suas paredes e abóbadas, do vidro multicor em explosões de um sol quase ininterrupto.
Sóbrias, distantes das estéticas barrocas do contraste, enfeitadas, homogêneas, criativas. Catedrais, ermidas e paróquias. O melhor do gosto pré modernista. Um romance sem seus prefácios. Trazidos pelo atlântico, mastigados nos sertões. O símbolo da solidez cristã. Motivos a instigar o imaginário dos folcloristas. Para uns, atraso, ecletismos, já em outros, o "autêntico", o histórico.

terça-feira, outubro 11, 2011

Maude e os girassóis

Faz um tempo que decidi escrever algo sobre um dos meus filmes preferidos, daqueles que você acaba vendo num momento de distúrbios (vide crises existenciais aos 17 anos), e que consegue modificar algumas tonalidades da sua vida. Lembro bem dessa madrugada, quando ainda estava na minha antiga casa em Gravatá em temporada de férias. Diante de um estado de insônia a me empurrar para a  vigília em frente à TV, anunciava-se a próxima atração dublada: a película "Ensina-me a viver".

Poster de 1978


Com o título original de "Harold and Maude", o filme foi lançado em 1971 nos Estados Unidos, destacando em suas narrativas muitos dos reflexos da sociedade americana na época, cujo país, governado por Nixon, se encontrava no auge da guerra vietnamita.

O roteito está centrado na história de seus protagonistas. Harold é um garoto de classe média alta, residente em São Francisco, cuja mãe superprotetora e moralista o enfadonha por diversas vezes, tornando-o um sujeito cheio de excentricidades; dentre elas a fixação por simulações de suicídio e temáticas fúnebres no melhor do humor negro. Para ele, sua vida é um tédio.


Harold (Personagem de Bud Cort)




Maude (Ruth Gordon)

Maude é o contrapeso, uma senhora prestes a completar 80 anos, estrangeira, amante das artes, dos cheiros, das cores e com uma vontade excessiva de viver, reafirmada nas suas idas a funerais de anônimos. E  é  num desses eventos distintos, apreciados também pelo rapaz, que Harold e Maude se conhecem.

O encontro


A partir de então, a amizade desses dois sujeitos tão opostos vai tomando formas e sentidos maiores, a culminar na máxima dos sentimentos afetivos, unindo-os em suas vontades de contra-corrente.

A temática proposta pelo filme é bem desenvolvida ao longo de sua projeção, disposta a nos apresentar o esvaziamento de sentido da juventude da época, alienada e pessimista (representada na figura de Harold), diante de uma guerra sem perspectivas, quando as razões de ser do conflito se perdiam em explicações difusas.



Neste momento, surge Maude (interpretada fabulosamente por Ruth Gordon), uma antítese de Harold. A partir de uma amizade sincera, colorida pela belíssima trilha sonora do cantor "pós hippie" Cat Stevens, Maude irá apresentar ao personagem entediado as ricas possibilidades de uma vida, experimentadas por uma personagem que vivera os horrores da segunda guerra, e desde então tem buscado respostas e sentidos a cada nascer do dia.



O filme exibe diversas passagens humoradas, banhadas em críticas à sociedade da época, militarista com Nixon e moralista na figura do papa João VI. Destaque para as cenas das consultas de Harold, suas simulações de suicídio e o clássico episódio da árvore.



Sem grandes sucessos de bilheterias na época, o filme atualmente é uma sensação das rodinhas cult; talvez por sua trilha sonora, ou pelas referências às paisagens de uma São Francisco da década de 1970 (onde fãs do filme ainda visitam as locações), ou ainda das atuações primorosas de Ruth Gordon (O Bebê de Rosemary) e Bud Cort.

Capa do disco com a trilha sonora


Cultuada ou não, esta obra conseguiu por muito a minha simpatia há quase 10 anos atrás, sendo até hoje um dos meus favoritos da lista e sempre inspirador.


Achei esse trailer, acompanhado de uma música da trilha, por Cat Stevens! Muito bom!

P.S. Dedico essa postagem à Renatinha que também é fã desse filme!

segunda-feira, outubro 10, 2011

música pop

Desta vez "resolvi fazer algo de diferente", e fiz um video, apresentando algumas considerações minhas sobre música e cultura pop.

Enjoy it (or not)

domingo, outubro 09, 2011

sobre amizade e outras perguntas

"Amizade (do latim amicus; amigo, que possivelmente se derivou de amore; amar, ainda que se diga também que a palavra provém do grego) é uma relação afetiva, a princípio, sem características romântico-sexuais, entre duas pessoas."

Definição redondinha, da nova mãe do conhecimento enciclopédico digital e dos amantes da pesquisa barata, Wikipedia.


Representação do "Thanksgiving day", símbolo da legítima "amizade" (muitas aspas) entre povos no Novo Mundo


Sem a intenção de encerrar num conceito, o enunciado das primeiras linhas do referido artigo nem escapa, num primeiro instante, de uma concepção compartilhada por muitos.

Que o termo "amigo" encontra desdobramentos no latino "amore", disso qualquer estudante já estaria farto de saber (vide as aulas sobre literatura "arcaica" portuguesa e as velhas canções de amigo tão recorrentes na corte).


D'Artagnan e os Três Mosqueteiros por Maurice Leloir (Máxima do símbolo de amizade na ficção)


Relação afetiva? Decerto que sim. A amizade pressupõe uma aproximação, experiências compartilhadas, correspondência, atitudes recíprocas quase que pré-determinadas pela sociedade. Mas nem sempre!

Por vezes ouço pessoas comentarem: "Preciso de mais amigos!"; porém, numa rápida reflexão, será que essa necessidade não precisa ser revista? Multiplicações e adições? 900 "amigos" no facebook? Humanamente impossível.

O já clássico "Thelma and Louise" (1991)


Ao invés de considerar o verbo "fazer", associado à amizade, que assume um caráter de exercício, quase de ofício, de obrigação social e trabalho, prefiro pensar amizade como o espontâneo, onde o sujeito nunca consegue explicar quando aquela relação começou e por que. Amizade, no seu sentido mais maiúsculo, é menos uma prática que um impulso da natureza. Então, quanto amigos você "fez" na festa de ontem?

Não há moldes ou encaixes para amigos (assim como também não deveria existir para qualquer relação a envolver afeto). A fórmula do "mudar para agradar" recai na mesma história do ofício, da obrigação para se ter alguém do lado, e isso, nem a milhas pode ser considerado amizade.

Assim como qualquer relação, a vivência "entre amigos" é revestida dos chamados defeitos, manias, contratempos, desentendimentos, preconceitos e tantas outras condições que considero mais humanas do que faltas graves ou absurdos, previsivelmente passíveis a mudanças.

Um "Thanksgiving" mais sincero do Charlie Brown


Longe de qualquer conselho de auto ajuda, não há chave para o sucesso na amizade. Assim como qualquer fenômeno natural, ele se transforma, evolui, se expande, se retrai, rejeita, aproxima. Porém, quando de fato se trata de amigos, a natureza sempre tende a sustentar, livre de rotinas e mesmo com distâncias (físicas ou temporais). É por isso que não acredito na palavra "ex-amigo". Aliás, esse prefixo "ex" não se encaixa sinceramente em nada!

Mais o "estar" que o "ter" amigos, experiência primeira estimulante, que revigora esses indivíduos, longe de conseguirem manter a solidão.

(dedico essa postagem aos meus amigos, que não precisam do acompanhamento "verdadeiros" ou "melhores" e também aos futuros que possam surgir na espontaneidade)

the butcher (ou conto rápido) ou alegorias

beleza. milhas. pavimento. edifícios ocos. vento. lama. explosões. olhos. intervalo. selvas em coro. escuro. criatura. criaturas. criações. crenças e credos. medo. sorrisos. artilharia. cavalos. orações. lágrimas. sussurros. esperança. símbolo. leões. raízes. reverberações. fome.






beauty - destroy - mind- gory - gift - man - lonely

confused
butcher
nothing


position - worms
through my heart
my brain



MY HEART STILL PUMPING


W
          
            A


R



            R


I


      O
                                             R

quinta-feira, outubro 06, 2011

"De Amore"

Clichê? Dor de Cotovelo? Estágio para revista de trivialidades ou excesso afetivo? Nem isso nem aquilo. Resolvi tecer em poucas linhas tudo aquilo que estaria ao meu alcance sobre a temática "Amor", com base nas minhas observações (nada científicas), experiências, histórias e mesmo nas teorias e na arte, sem a pretensão de conceituar nada (que fique bem claro!)

Representação do amor cortês medievo


Não vou falar de amor cristão, nem muito menos de amor de família, amor de amigo e todos esses desdobramentos do amor que partem, acredito, dessa perspectiva cristã/burguesa. Falarei de amor banal mesmo, desses de novela da Globo.

Representação do amor cortês medievo


Numa feiosa tentativa de partir de um princípio, começo percebendo a natureza humana, de animal, egoísta, dotado de uma vontade de poder, de satisfação plena de seus desejos a qualquer preço, e de uma pré-condição do imediato. Nessa brincadeira já bati um papo com Nietzsche, Freud, Benjamin, Proust e Sue Johanson (pra quem não conhece, é uma senhora "sexóloga", apresentadora do programa "Talk sex with Sue", veiculado aqui no Brasil no canal GNT).

Representação do amor cortês medievo


Animal enquanto tal, nem de longe, o homem (em seu sentido de natureza, não de gênero) é monogâmico. Mais aí vem as relações sociais, a cultura, o Estado, a (s) religião (oes) e toda sua moral e imprime ao longo das eras na cabeça dos seres pertencentes ao mundo dito ocidental (vide, pós Anno Domini), que família (constituída de um casal, apto a reprodução de filhos) firmada sob contratos, seria o motor e sustentáculo da sociedade. Se nesse quadro existir  "aquele amor", melhor ainda! Pois acredito que muitos já estão azuis de saber que muitos casamentos ao longo da história da humanidade são mais relações de fato contratuais, do que uniões carregadas de juras de amor eterno. (Vide as histórias das cortes reais e de muitos casamentos que vocês mesmo já prestigiaram).

Representação do amor cortês medievo


OK, não vim aqui para pregar nenhum manifesto de liberação sexual, nem gritar para que todos sejam poligâmicos. E ainda nesse momento, alguém a ler essas minhas baboseiras pode se perguntar: "O que esses parágrafos acima têm a ver com a sua temática inicial?" Ora, respondo que a relação entre eles é mais que legítima. Pois é neste contexto do casal (da família), que o amor (numa concepção mais burguesa) deveria se encaixar. Um amor que nasce lá dos valores do romantismo e que arrasta uma asinha pro chamado "amor? carnal", porque ninguém é de ferro.

Tela de Tristão e Isolda


Mas e o amor cortês medieval? Platônico, do lugar comum de Camões (desculpem os letrados), onde o contato físico não existia praticamente, e o cavaleiro poderia satisfazer todas as suas necessidades com as moças das vilas e aldeias, mas não com a dama da corte? Não é esse o amor (de fato), que vai se desdobrar desse período, sendo retomado pelos poetas e prosadores românticos dos séculos XVIII e XIX? Mas é justamente aí que entra a história do homem enquanto ser sedento de desejos (e mais uma vez não falo de homem, o gênero), e desse amor precisar de uns "ajustes".

Cena de Bonnie and Clyde (1967)


A partir disso, acredito então que surge essa ideia de amor mais banal que conhecemos nos dias de hoje, de uma tentativa frustrada de unir gestos de submissão cortês com os prazeres da carne (que é fraca). E é nesse ponto que surge o grande problema. Expectativas, frustrações, mundos girando em torno de alguém, dependências e ainda por cima, com tudo OK! entre quatro paredes.

Grunges "in love"


Seria culpa dos contos de fadas? Das grandes esperanças que alguns pobres miseráveis põem a partir dessas narrativas? Sejam elas presentes nos velhos livros ou nas telas de cinema?

E no meio desse clima caótico, quase de apocalipse, em denúncia a esse amor tão desejado pelos leitores de romances de folhetim, que aponto a minha noção (rasa) sobre o amor mas que já me quebra um galho. O amor, muito mais enquanto companheirismo, do que dessa torrente de sentimentos destrutiva e avassaladora!


PJ Harvey - Nick Cave

É claro que química é importante, que de repente, gostos parecidos também ajudem (apesar de não serem imprescindíveis, a meu ver), sintonias e blá blá blá. Mas se não houver companheirismo ou sinceridade, nada feito!

O que mais observo hoje em dia é uma verdadeira proliferação de status de namoro nas redes sociais. Legal, felicitações e etc. Mas também até que ponto existe de fato uma relação sincera, ou não passa mais de um "Olha só, sociedade! Tenho amigos, sou bem sucedido e ainda namoro!". Namoro como moda é muito teenager, hein! Vamos rever isso aí.

Harold and Maude


"Amor e amizade coexistem? Mas já não temos nossos amigos?". Olha, sinceramente não acredito muito nisso, porque um namoro unido só pelo desejo, é o mesmo que fazer sexo com uma porta. Ter alguém como companheiro (a) é no mínimo importante e ainda resolve aquele mal estar da tentativa frustrada do amor banal, um amor sem desesperos nem inseguranças.


Birkin - Gainsbourg

Portanto sem essa de morrer de amores, de "Oh, estou sozinho!", e muito menos de cair no primeiro enlace só pra suprir carência. (Bom, não vou continuar essa última ideia, porque isso sim é um clichê mais do que divulgado nos powerpoints brilhantes dos e-mails virais).

Cena do Clipe All is Full of Love - Björk

quarta-feira, setembro 28, 2011

Gravatá e suas "velhas" praças!

Progresso e desenvolvimento econômico! Palavras que se relacionam por vezes com o mote da aceleração, multiplicação e expansão. Numa ótica em que o novo se sobrepõe ao velho, assim desenrolam-se muitos centros urbanos do agreste do Estado. A chegada de complexos industriais, a melhoria das rodovias e a diversificação no comércio, clamam por uma renovação das cidades, que devem se adequar às novas necessidades e anseios, nos moldes haussmannianos ocorridos em Paris, Recife, Rio de Janeiro, Cidade do México, apesar de escalas menores.

O turismo, prática que está sempre a despertar novos olhares e interpretações por vezes auxiliam nesse processo. Na instalação de novos equipamentos de apoio ao visitante e de um embelezamento plástico das ruas e calçadas a fim de agradar a quem chega.

A Praça do "Sapo" (Fonte: Flickr dilsa_cosmopolita06)


Neste contexto, determinados equipamentos urbanos são os primeiros a receber reformas e reconstruções, já que seriam símbolos desse crescimento. As praças, símbolo das sociabilidades e trocas num espaço urbano, são as primeiras a enfrentarem os projetos "mais viáveis" e a velocidade dos tratores. O tradicional Coreto, cede espaço às fontes de cerâmicas ocas e sem plasticidade alguma. Árvores centenárias são substituidas por palmeiras ainda jovens e mudas de espécies exógenas. Esculturas, marcos, totens, bustos e outros trabalhos de artesãos locais, responsáveis pelos títulos populares cedidos a esses espaços, são retirados em prol de grandes vãos abertos propícios às festividades, que por sua visibilidade, asseguram um maior número de eleitores.

Antiga Praça da Matriz - 2008 (Fonte: Flickr dilsa_cosmopolita06)


Partindo dessa breve análise, declaro ser realmente lamentável o que aconteceu com as praças de Gravatá, nestes últimos anos! Como antigo morador e frequente visitante, tenho ótimas lembranças da minha infância na Praça da Matriz e nas popularmente chamadas Praças do "sapo" e Praça "dez". Hoje, quando vou à cidade, sinto estranheza diante dessas novas configurações que por motivos de higienização, segurança e um progresso disfarçado em maquiagens, sofreram verdadeiras "re-formas, re-estruturações" (como um "derruba tudo e constrói um novo"), ao invés de um plano que destacasse seus antigos elementos de maior reconhecimento e referência pelos gravataenses.

Antiga Praça "10"


A preservação do patrimônio, portanto, não depende de legislações punitivas nem de uma vigilância constante dos bens materiais imóveis. Parte-se de um princípio mais de auto-reconhecimento da população, que simplesmente de circunstâncias onde um determinado bem tenha valor arquitetônico ou de antiguidade histórica.

Nesta perspectiva de desenvolvimento, cabe a cada cidade, em suas diferentes comunidades e representações, o poder de decisão dos rumos que seus espaços e lugares de memória devam tomar, num exercício menos de decisões unilaterais de poder que de cidadania.

domingo, junho 26, 2011

segunda-feira, junho 20, 2011

confesso

dias que ouço, vejo, leio, vivo... guerras.... na música, telas, palavras, vivências
e daí sempre o vento acompanha, o vento me desenha, busca acalmar as explosões
e os sorrisos múltiplos, que bombardeiam meus ouvidos, olhos, peles. sorrisos dos outros, outros não estranhos
e o frio me alveja, por vezes, mas apenas me acalma, equilibra
e o barulho das bandeiras na serra, imitando chuva, me oferece uma noção de espaço, de tempo, de dimensões, de vida
creio que estou pronto, na linha de frente
e aí atuo, como se estivesse num palco, só para me distrair
e daí eu aguardo, mesmo que por anos, vidas e ciclos
as crisálidas sempre vão me entender, assim como os exercícios daquele tal de Jó
é sempre por uma boa causa


quarta-feira, junho 08, 2011

sábado, junho 04, 2011

crisalida

eu realmente aprecio esse estado, todas as matizes, que pontuam estas passagens e os desencontros, as energias, as canções de nina simone, o sentimento dos rios lavando os caminhos internos, que desaguam nas cisternas formadas por florestas de pilares, que sustentam tantas sensações e inundam quando se perde o controle (o que é bem natural do homem) de seus abastecimentos. mas a crisálida, esta que anseia em tomar os horizontes, enquanto latente, paciente, adormece ciosa de suas futuras asas e verdes que anseia, mas nem precisa sonhar com isso, ela não pensa em futuros nem se aprisiona em memórias de lagarta, e é isso que a completa, feliz, nos instantes, nas ações involuntárias; e tomadas de surpresa, quando rompem-se as camadas, e se desenrola entre os sopros, e já esquece das carapaças, apenas torna-se mariposa, que no silêncio, percebe as tagarelices das flores, menos a dos acanthus, altivos e serenos em suas posições, onde o inseto (se assim pode ser chamado), repousa. e nessa metamorfose, mergulho.

express

eu não sei porque mas fui tomado por uma vontade de escrever, riscar sem nexo, não tomado pelo voluntariado, sem esforços, e hoje nem estou inspirado, já que passei o dia lendo tratados de construções bizantinas, cúpulas e abóbadas e um calor e uma preocupação, que fora rapidamente substituída por alívio, o cheiro forte das tintas que me presenteou de uma leve alergia e as ligações de uma amiga que deve estar em casa, agora, sozinha. neguei as festas e os bares, pra encontrar a paz da serra, o frio, a música em médio volume, e talvez esses pequenos versos me inspiraram (inspirou o que? nem de longe sou poeta), só escrevo pra desenhar silêncios, materializar abstrações e imagens distorcidas que me afligem por estarem soltas por aí. e aqui do lado, o amigo cachorro deita sobre meu pé gelado, e a casa vazia me deixa sereno, a lembrar das coisas que chamam de "sérias" que tenho a escrever. e o frio aumenta, e os dedos se alongam, e o espírito, quieto.

domingo, maio 29, 2011

on the road again

De tantas viagens pelo sertão, com diversas paradas e pesquisas, não se pode negligenciar os caminhos percorridos até alcançar os objetivos já traçados previamente. A cada nova jornada, a paisagem sempre revela aspectos inéditos, o que permitirá que eu ressignifique não só o sertão, mas o estado de Pernambuco inteiro, infinitas vezes.



O vídeo acima é resultado de uma tentativa de registro (bem amadora e simples), porém sincera, das minhas impressões ao passar por trechos entre Custódia e Serra Talhada no caminho para Belmonte.

A música, que me acompanhou durante o trajeto, é de um dos meus cantores preferidos: Bonnie Prince Billy - No bad news.

quarta-feira, maio 18, 2011

Visita à mangueira dos tantos braços

Percorrendo estradas de barro, atravessando poças e olhos d'água, acompanhados de uma paisagem diversa em cores e elementos (árvores frondosas, macambiras e xique-xiques, bodes marcados por seus proprietários, capelinhas carregadas de um catolicismo popular), serpenteávamos aqueles caminhos no sertão de Mirandiba, procurando uma tal árvore muito citada na cidade, tão robusta que 9 (ou 7 pessoas, dependendo dos braços) poderiam abraçá-la. Tratava-se da Mangueira do Brejo.


Capelinha no caminho da Mangueira


Catolicismo popular
Segundo os relatos, a monumental mangueira, situada na região úmida do Brejo do Gama, por sua imponência, inibia suas outras irmãs próximas, reinando soberana numa área de fronteiras entre municípios e vestida de muitas narrativas e contos transmitidos por muitos dos lugares que passamos.

Falam de um cavaleiro, que havia afundado com cavalo e tudo num chão pantanoso naquelas proximidades. De um oitizeiro com proporções consideráveis, mas que tímido, se esconde na sombra daquela árvore. De um tempo em que a instalação de um poço havia ameaçado a própria condição de sua grandeza, e que um dossiê está prestes a ser enviado para os responsáveis do guiness book a nomearem como a "maior mangueira do mundo".

Enfim, a mangueira  



 
O oitizeiro
 Ao chegar no local, percebi que se tratava de todo um espaço naturalmente privilegiado. Formações rochosas, um fio d'água, muitas árvores (incluindo o dito oitizeiro), e bem no meio, aquela mangueira, que de fato se revelava não apenas no seu tamanho mas também em idade. Ouvia sons de animais vindos de seu interior, como se a mesma se comunicasse, e todo aquele ambiente, ganhava voz a partir das histórias e expressões dos muitos que já estiveram ou mesmo ouviam falar dessa mangueira.


O Entorno

domingo, maio 15, 2011

Santa Maria de Tupanaci (Mirandiba) e algumas considerações

Depois de mais de uma semana sem postagens (vida atribulada de coisas, querendo que o dia tivesse 30 horas), resolvi voltar a escrever mais das minhas andanças pelo município de Mirandiba, no Sertão Central, mês passado.

Outro ponto interessante que visitamos naquela viagem (além das inúmeras comunidades quilombolas presentes na região), foi o distrito de Tupanaci, ou Santa Maria, como chamam os mais antigos. Distando uns 32 km da sede municipal, sua formação remonta aos tempos da povoação do sertão, nas proximidades de rios (neste caso, especificamente o rio Pajeú), por intermédio de famílias que descendiam de brasões portugueses.

Ruínas da Fábrica de Caroá


Igreja de Nossa Senhora da Conceição




E foi em fins do século XIX que famílias foram se assentando naquele território, a partir de uma fazenda, cujo proprietário,devoto da Virgem da Conceição, realizava novenas em sua residência. A fé católica bem aos moldes ibéricos e populares, atraia cada vez mais um número considerável de fiéis aos cultos ali realizados. De tanta fama conquistada dessas celebrações, se fez urgente que a Virgem fosse abrigada num espaço de confluência maior, o que permitiria acomodar todos os ritos e participantes. Surgia daí a ideia de se edificar uma capela nas proximidades, num local chamado de Várzea da Toca, no então município de Floresta.

Sem tentar estabelecer leis, porque isso não existe em hipótese alguma na história, mas mergulhando na historiografia dos sertões brasileiros, percebe-se muito a constituição de arruados a partir de uma igreja (local de ritos e celebrações de cunho sagrado ou social), conjugada a uma praça ou pátio que servia de espaço de sociabilidade (um elemento, que na minha concepção, mais do que legitima a natureza de uma formação urbana); e foi assim que o povoado ia se desenhando, em torno da capela batizada de Santa Maria em referência a Nossa Senhora da Conceição (padroeira de muitos distritos pelo interior do Estado).



Interessante, ao pesquisar registros sobre o povoamento das áreas mais distantes do litoral brasileiro, é uma constante no enaltecimento das famílias de estirpe portuguesa que desbravaram os territórios "selvagens", e possibilitaram a formação de nucleos urbanos, carregando a bandeira da "civilidade". Negligencia-se desse processo, outros povos e etnias que se assentavam nestas regiões, populações que foram escamoteadas de seus espaços simbólicos,empurrados cada vez mais mata a dentro. E nos fatos de Santa Maria, encontram-se registrados a presença de tribos do tronco Tupi, de onde provavelmente originou-se o nome TUPANACI (uma representação de "Mãe de Deus" - referindo-se à virgem católica).



Às margens do Pajeú, a vila florescia, e movimentava um verdadeiro ciclo social e econômico em toda aquela região, estreitando laços inclusive com a cidade de Serra Talhada. Já pela década de 1930, feiras, comércio constante, escolas, uma banda marcial, celebrações (sagradas e profanas) coloriam o núcleo. A instalação de uma fábrica de fibra de Caroá (para quem não conhece, o Caroá é uma espécie de planta comum no agreste e sertão do Estado, que fornece fibras resistentes para a produção de cestos, bolsas, esteiras e até vestimentas), ajudou a dinamizar ainda mais aquela localidade social e economicamente. Que anos mais tarde, tornaria-se distrito da então Mirandiba.

Altar mor da Igreja


E tudo isso ia sendo narrado e lido nos textos oferecidos pelos moradores, durante a minha visita. Eu estava diante de uma vila que transmitia a sensação de ter praticamente estagnado no tempo. As duas ruas principais que a constituem, preservam ainda as mesmas configurações de suas casas (todas contando mais de décadas). A igreja ao centro, vigia a praça e o  busto em homenagem a um bispo, "filho da terra", que havia ganho destaque na diocese de Caruaru. Mas a fábrica, o bar, a farmácia, a "venda" e muitas das casas (hoje mais consideradas de "repouso" para quem já não mora mais por lá) encontram-se fechadas, e as representações sociais, diminuiram.






Testemunhos de uma das moradoras mais antigas, revelaram como Santa Maria era movimentada, viva, e de como a mudança de eixos econômicos daquela região para proximidades a Mirandiba, mudaram todo o seu quadro, e permitiram, inclusive, a permanência de todo aquele desenho urbano, que muitos hoje anseiam em preservar. Já que o cenário é desses propícios ao que poderíamos chamar de um filme de "época".

Bom, quanto às discussões sobre essa ótica de preservação e as críticas a uma história que mais musealiza, engessa, do que dinamiza as práticas e significações sociais, deixo para as publicações desse trabalho de pesquisa, que quando forem publicadas oficialmente, todos terão acesso. Por enquanto, eu deixo apenas essas impressões iniciais.

sexta-feira, maio 06, 2011

Feijão - Mirandiba

A viagem seguiu até a comunidade de Feijão, próxima à sede do município de Mirandiba. À medida que avançávamos nas pesquisas, era de se perceber a forte articulação dos membros desses territórios, utilizando, dentre outras ferramentas, a educação, no intuito de construir e debater de maneira compartilhada, questões ligadas à posse da terra, da etnia, preconceitos e formas alternativas de subsistência (já que a atividade predominante é a agropecuária).


De maioria cristã, a população ainda apresenta alguns de seus membros detentores do conhecimento de práticas que se vestem de recortes afro-brasileiros, porém esses saberes se encontram muito mais interiorizados e cristalizados nas memórias dos mais velhos, apesar de uma rezadeira/benzedeira significar uma exteriorização de um catolicismo popular.


A relação com a terra ultrapassa a questão de cor, e define todos como quilombolas, que se auto-identificam como tal, e se percebem sujeitos de uma história de ocupações e formação de povoamentos no município, pluralizando, dessa forma, as histórias oficiais dos detentores de poderes.




Mas o melhor da visita foi o momento na escola, nas conversas com os alunos, cada um com histórias, quilombolas declarados, com os cabelos "tranceados" bem na moda do "afro", curiosos, felizes, sem aparentar essas necessidades que as crianças dos grandes centros urbanos berram o tempo todo para que sejam satisfeitas. E a cada nova descoberta, mais me dava conta do quanto ainda não conheço no Estado, e ia me sentindo em casa.