Hoje
estava num transporte voltando pra casa e me deparei num momento com
três adolescentes que entraram no veículo e sentaram perto de mim. Pelas
conversas que ouvi, os mesmos pareciam ser de alguma comunidade e
conheciam a realidade do tráfico (isso era bastante nítido pelos
diálogos). Percebi que algumas pessoas ficaram um pouco nervosas com a
presença desses rapazes, e eu, que estava do lado deles, apenas comecei a
pensar....
Se eles tinham algum envolvimento com assuntos ilícitos
não caberia a ninguém julgar a princípio. Um deles até poderia ser meu
irmão mais novo, adolescentes, como os alunos de ensino médio que já dei
aula. Mas independente das histórias individuais daqueles meninos, eles
me fizeram refletir sobre milhares de adolescentes que já nasceram
condenados nas comunidades.
Uns enxergam no tráfico uma
oportunidade de sair de suas condições de sub existência. Numa sociedade
que prega todos os dias (sobretudo via meios de comunicação) para que
sempre corramos atrás do ter e do poder, gostaria que você refletisse
como essas mensagens são processadas nas cabeças de jovens que enfrentam
a escassez quase diária por um prato de comida.
Outros buscam a
inserção na sociedade, como os chamados "homens de bem", mas as portas e
caminhos são restritos a muitos, seja por sua raça, seja por sua
condição financeira. Muitos são empregados (porém, na margem da pirâmide
do sucesso profissional, subalternos, serviçais). Como deve ser feliz
viver pra trabalhar, em serviços por vezes pesados e ganhar uma mixaria
para sustentar uma família, né? E o tempo para o lazer? E para o repouso
físico e mental? Bom, muitas vezes isso pode ser luxo para quem não
nasceu na roda da meritocracia (Pensem nisso também!)
Não estou
justificando aqui que a criminalidade deva ser uma saída para esses
jovens, e antes que algum acéfalo grite que eu sou "defensor de
bandido", antes de tudo sou um defensor dos direitos humanos, direitos
que deveriam se estender a todos e de maneira irrestrita!
Quando
eu ouço tiros vindo do morro, ou quando roubam o meu celular, eu não
enxergo o indivíduo que cometeu o ato! Enxergo a nossa sociedade,
construída historicamente sob a base de uma desigualdade gritante. De
uma elite ínfima detentora de boa parte das riquezas do bolo, e em sua
grande maioria banhadas num total desdém para com os marginalizados (de
uma maneira que faria até Luís XVI corar!)
Somos seres patéticos,
desprovidos de empatia, onde queremos o "nosso pirão primeiro", numa
corrida desenfreada pela busca de poder e lucro (como se fossem
estandartes da felicidade).
Há dias que acordo sentindo a "Dor
do Mundo", quando paro e penso que muitos de nós já nascemos condenados,
marginalizados, enquanto os poderosos, no máximo chegam com migalhas
de "Criança Feliz" e doação de cesta básica mensal. O que todos queremos
e buscamos é dignidade! Isso é o cerne dos direitos humanos! Enquanto
não atingirmos isso, continuaremos sendo mais indignos que porcos,
animais bestializados e gananciosos, que usam, por vezes, de divindades
espirituais para seus próprios proveitos.
É muito fácil criticar
esse "textão" quando você nunca se sentiu à margem. Com seu CEP
privilegiado, seu plano de saúde "top" e suas viagens anuais pra Europa.
Também não quero acusar a classe média numa fornada só de não se
importar com o "vizinho do morro ali atrás" ou a "secretária de minha
cozinha", mas não podemos negar que muitos dessa chamada classe adoram
reproduzir os trejeitos e manias de uma elite que eu diria ou ser
"naive" ou então desgraçada mesmo!
Como é que nós podemos julgar
um jovem de uma comunidade, que tem ao seu dispor um número limitado de
opções de sobrevivência que oscilam entre entrar para o crime ou
escolher uma profissão que não irá oferecer lá tantas oportunidades
nesse nosso modelo meritocrático de "cinderela"? E que mesmo as duas ou
mais desdobramentos dessas opções muitas vezes não irão fazer diferença
para o tempo de vida desses rapazes, condenados na linha de fogo da
"guerra ao tráfico" ou dos abusos da polícia e milicianos pela sua
condição de preto, pobre e favelado.
Não sou santo, mas cada dia
me pergunto mais pra onde estamos caminhando? Mercedes Sosa já dizia
"Todo Cambia". No fundo, minha alma e meu coração quer acreditar nisso!
Numa primavera!